segunda-feira, 30 de maio de 2011

21- Débora Büttcher uma vez escreveu...

“Viver, às vezes, me parece tão cansativo...”
Encarei a piscina novamente. 
Eu já mal pensava na Melanie e, de alguma forma, quando pensava era diferente. Eu não me importava mais por estar longe dela. E eu sabia bem o motivo. Fui relutante em aceitar, mas eu já sabia mesmo antes do dia em que a Yasmin me surpreendeu com um beijo pela primeira vez. 
Tinha acabado de dizer a ela que era melhor que sequer fossemos mais amigos. Os sentimentos da Yasmin por mim eram tão transparentes... Não podia ser maldoso com ela. Imaginei que ela fosse apenas me castigar com seus olhos tristes indo embora no silêncio. Mas, em vez disso, ela se aproximou mais e mais. O toque dos seus lábios...
Levei meus dedos até meus lábios com a lembrança. Iria dar mais um olhada na janela do quarto em que a Yasmin estava, mas antes disso me deparei com ela em pé a poucos passos de mim.
“Yasmin?!”
Ela parecia confusa. “Você me chamou...”
“Quando?”
“Agora há pouco. Você olhou pra janela e fez um sinal para que eu descesse...” ela corou.
O gato.
“Oh!” sorri pensando que talvez o gato preto tivesse anunciado boa sorte. “Tinha um gato no telhado, pelo menos pensei ter visto um, mas ele sumiu...”
“Ah... Desculpa.” Ela se virou, indo embora.
“Ei, Yasmin.”
“Me chamou?”
A sua expressão me roubou um sorriso fácil. “Sim, chamei. Se importa de ficar aqui comigo?”
Ela sentou-se ao me lado. Peguei a sua mão, tão macia... Não tive coragem de encará-la. Se ela fosse me dizer não... 
“Se eu estiver perdidamente apaixonado por você... Isso será um problema?”
Ela não me respondeu. Era isso. Busquei a sua resposta em seu rosto. Tão quieta.
“Acho que demorei demais...”
Ela continuou calada.
“Por favor, diga alguma coisa... Mesmo que seja pra me chamar de idiota...”
Abaixei a cabeça. Eu merecia.
“Derick...” ela me chamou. Voltei meu olhar para ela. Algumas mechas de cabelo escondendo seu sorriso. Arrumei para atrás de sua orelha. Desci as costas da minha mão o mais suavemente que pude pelo seu rosto. 
Ali estava a sua resposta, finalmente, reconheci.
Aproximei a minha boca da sua lentamente, tendo cuidado em gravar na minha memória os seus olhos derramando seus longos cílios sobre as maças de seu rosto rosadas. 


Senti minhas pálpebras pesadas ao abrir. Algo impediu que eu mexesse a minha mão esquerda. Forcei minha vista, tentando reconhecer o lugar onde estava.
“Oh, Derick!” era a voz da minha mãe.
“Mãe?”
“Oh, meu filho...” ela começou a chorar debruçada na minha mão esquerda.
“Não chora, mãe...” minha boca tinha um gosto estranho e falar causava um pouco de dor. Gemi.
Minha mãe levantou seus olhos para mim rapidamente. “É melhor você não se forçar, filho. Estou tão feliz. Preciso avisar a todos.” Ela se levantou e me deu um beijo na testa. “Não vou demorar. Estão todos preocupados com você.”
Foi só um piscar de olhos e vi o rosto do meu pai sorridente ao lado da minha mãe. Meus irmãos estavam do outro lado da cama, também sorrindo. Mas todos aqueles sorrisos mal escondiam o vermelho cansado ao redor de seus olhos.
“Vou deixar a Sally e o Jack te verem também. Depois voltamos, ok? Eles só deixam quatro de nós por vez.” Minha mãe falou, soltando a minha mão e deixando a sala com meu pai.
Talita e Ricardo estavam quietos demais; o que não combinava com eles.
Jack entrou na sala com os braços ao redor da Sally. Não soube dizer se ele a estava abraçando ou a segurando. Sally não sorriu. Lutava em não me deixar ver que chorava. Jack apenas desviou os olhos dela por um par de segundos, quando torceu os lábios numa forma de sorriso sem vontade na minha direção.
“Estou tão horrível assim?”
Eles trocaram olhares cúmplices.
“Se eu estiver alguma coisa perto de como me sinto...” sorri, tentando não deixá-los ainda mais tensos.
“Já deve estar passando o efeito da medicação. Mamãe já foi falar com o seu médico, ele vai cuidar disso assim que chegar.” Talita.
Eu sabia que tinha alguma coisa em que eu precisava fazer, mas não conseguia me concentrar o suficiente para lembrar. Escola?
“Vocês não deveriam estar no colégio?”
Olharam-me com uma surpresa.
“Descansa, Derick. Você não tem que pensar em nada agora.” Talita.
Eu estava no hospital... Óbvio, mas só então me dei conta do que isso queria dizer.
“O que estou fazendo aqui?”
Ricardo colocou as mãos no meu ombro. “Calma, brother.”
A pressão que ele fez foi leve, mas a dor me fez ver um flash. Eu girando dentro do carro. O carro girando. Tudo girava.
“Oh, meu Deus!”
Yasmin... “Cadê ela?” senti meu rosto molhando.
Um senhor alto e com o cabelo grisalho entrou na sala. Era o médico.
Todos eles saíram com a chegada do doutor e de duas enfermeiras.
“Cadê ela? Cadê a Yasmin?”
“Calma, meu jovem. Você sobreviveu a um acidente grave, precisa repousar.”
“Eu preciso saber onde ela está.”
Ele olhou para as enfermeiras, pedindo que nos deixassem. As duas jovens saíram. Puxou uma cadeira para mais perto de mim.
“Derick, o que você se lembra?”
“Alguma coisa estava errada na troca pela Yasmin. Uma senhora apareceu. Os policiais também. Algo explodiu. Depois tudo girou...”
“O motorista do seu carro morreu. O carro está em pedaços... Você tem muitas contusões, mas não tem um osso quebrado. Isso é um milagre, Derick.”

sexta-feira, 27 de maio de 2011

20- Mikhail Bakunin uma vez escreveu...

“Não há nada tão estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma.”
Todos aqueles rostos desconhecidos para mim, que se despediram do pai da Yasmin, já tinham saído.
Sandra estava sentada no sofá de uma salinha, com um lenço nas mãos.
“Sandra...”
Ela virou seus olhos estreitos como os da Yasmin na minha direção.
“Não te vi aí, Derick.”
“Vim agora.”
“Precisa de alguma coisa?”
Yasmin.
“A senhora me disse ontem que a Yasmin iria voltar...”
Sandra abaixou sua cabeça, olhando para o lenço em suas mãos.
“Ela vai. Estou esperando o carro que vai nos levar até ela.”
Arregalei meus olhos.
“Nós vamos até onde ela está? Com os bandidos e tudo?”
A jovem senhora inspirou profundamente.
“Você não precisa ir. Só imaginei que fosse querer e a Yasmin provavelmente vai preferir ver qualquer um menos a mim.”
“Eu vou.”
Não notei que a Olívia estava na sala até que ela nos interrompeu. “Desculpe, atrapalhar. Sra. Campbell, os policiais chegaram.”
“Policiais?” pensei que ela tivesse dito que eles não poderiam de forma alguma se envolver.
Olívia pediu licença e se retirou.
“Você vem ou não, Derick?” Sandra disse já saindo da salinha.
Fui atrás dela.
“Isso está errado. O que está acontecendo?”
Ela parou antes de passar pela porta da frente da casa, virou-se e segurou meus ombros.
Seus olhos, um castanho muito claro, encararam-me intensamente, sondando a minha alma.
“Derick, você é tão bobo assim?”
Franzi o cenho.
“Esses policias são a nossa garantia de ter a Yasmin de volta... E eu nunca deixaria esses sequestradores saírem impunes. Por que eles devolveriam a Yasmin depois que já tivessem o que querem?”
“Mas e...”
“Não se preocupe, Derick. Eu chamei os melhores. Eles serão discretos.”
Ela tinha razão, mas ainda assim eu deveria ter adivinhado que as coisas não seriam tão fáceis. O aperto no meu coração não era só a ausência da Yasmin.
Chegamos no local combinado, ainda dentro do carro.
“Derick, você fica aqui.” Sandra disse quando me viu ameaçando abrir a porta.
“Não. Eu vou também.”
“Quer deixar as coisas mais difíceis? Ele pediu que eu viesse sozinha.”
“Mas eles sabem de mim.”
“Sim, mas do mesmo jeito pediram que eu viesse sozinha. Isso deve querer dizer algo, não? Não temos por que arriscar. Em breve você estará com a Yasmin, então espere um pouco mais. Já vou.”
Sua expressão era de ansiedade e insegurança. Imagino como não estava a minha.
Ela andou vários passos até um banco na pracinha. Um envelope pardo tremia entre suas mãos em seu colo. Atrás do vidro fumê do carro eu pude ver quando uma senhora muito velhinha sentou-se ao lado da Sandra. Aquilo me deixou preocupado. E se os sequestradores achassem que ela foi com a Sandra? Ou se apenas ficassem impacientes esperando a senhora partir?
Tentei encontrar os policiais pela praça, mas em vão. Era óbvio que eu não conseguiria achá-los. Eu só queria ter certeza de que a Yasmin chegaria a salvo.
A Sandra e a senhora conversavam. Pouco tempo se passou até que a senhora passasse alguma coisa para a Sandra. Era um celular. Sandra parecia assustada falando no aparelho. O que estava acontecendo?
A senhora usava um vestido florido em tons claros e parecia frágil, por isso me assustei em dobro quando ela começou a puxar o envelope das mãos da Sandra. Ela tacou a bolsa na cara da Sandra e conseguiu pegar o envelope. Saiu apressada.
“Não!” gritei do carro.
Apareceram dois policiais de qualquer lugar que não vi.
Estava tudo errado. Cadê a Yasmin? Eles não só iriam aparecer depois que ela estivesse a salvo?
A senhora levantou a mão direita para o alto segurando alguma coisa. Era o celular? Não... Parecia um pouco maior. Os policias pararam. Sandra estava paralisada no banco. Eles investiram, tentando se aproximar, diziam alguma coisa. Queria conseguir ouvir. Aproximaram-se mais da senhora. E tão perto de onde eu estava algo explodiu. De repente eu também estava me aproximando de onde todos eles estavam e ainda muito longe deles a janela me mostrou o chão. Senti meu corpo rodar solto pelo carro. Fomos atingidos? Tinha alguma coisa me pressionando com muita força, eu queria me livrar daquilo, mas mal conseguia enxergar. Logo não via mais nada.
Abri os olhos e senti algo gelado tocar o meu braço e me puxar. Aquilo estava doendo muito. Meus olhos se fecharam novamente.
Naquele dia do baile do ano passado eu não tinha a menor intenção de ir para a festa. Estava num pedaço de casa mal acabada, distante de toda a civilização de Almerim. Falando sozinho. Discutindo comigo e com uma Melanie imaginária. Aquilo era ridículo, eu sabia, mas também era inevitável. 
“Oi...” alguém me chamou.
Assustei-me. Era uma jovem. Ela tinha ouvido meu debate louco? Mas ela sequer parecia assustada. Um vestido longo e claro. Seu cabelo preso, apenas uma franja caia sobre seus olhos. Ela estava indo para o baile? Perdeu-se? Foi o que ela me disse, quando perguntei.
Fomos caminhando juntos até a festa da escola. Ela era tão interessante e quieta. Tinha um olhar curioso, que escapava dos meus sempre rápido demais. 
Estava lembrando de todos os momentos que passei com a Yasmin até então, especialmente aquele dia do baile. Era véspera do aniversário da minha prima Sally, no ano passado. Estava na beirada da piscina, sem conseguir dormir. Olhei furtivamente para a janela do quarto da Sally. Eu sabia que a Yasmin estava no mesmo quarto. Tive esperanças de vê-la. Mas tudo o que vi foi um gato preto. Má sorte? Tentei espantar o gato para longe.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

19- Ovídio uma vez escreveu...

“Muitas vezes um remédio amargo trouxe ajuda a pessoas esgotadas.”
“Yasmin? Meu amor, vamos tirar você daí.”
“Que bom que estão trabalhando nisso, porque o tempo está passando e estou ficando impaciente. Cadê o que pedi? Não conseguiu convencer a sogrinha, Derick?” a sua gargalhada espalhava um frio por todo o meu corpo, “Talvez a Yasmin me agradeça por apenas dar fim na vida dela. Parece que não tem ninguém que realmente se preocupe com ela.”
“Seu pai acabou de morrer... A Sandra foi ao hospital. Antes de sair ela disse que agora vai poder te dar o que você quer.” Não sabia de onde consegui trazer a minha voz.
“Assim espero. Ela tem até o final do dia para isso. Em pouco tempo entrarei em contato novamente.” Desligou.
A sala parecia mais fria. Sentei-me na cadeira próxima ao telefone. Eu era inútil. Não tinha nada que eu realmente pudesse fazer pela Yasmin.
O que eles tinham feito com ela? Eu não podia perdê-la...
Uma mão me sacudiu, despertando-me do sono. Eu sequer tinha percebido que dormia.
“Derick, vá para a cama. Já pedi que preparassem um quarto para você.” Sandra.
“Não. Eu vou ficar aqui.” Disse ainda sonolento.
“Você quem sabe. Mas já está tudo resolvido.”
“Já vão devolvê-la?” Meu coração disparou.
“Não hoje. Fiz o possível, mas só amanhã todos os documentos estarão prontos. Logo após o enterro do Vítor, a troca será feita.”
“Não vai esperar a Yasmin voltar para isso?”
“Ela já passou pelo suficiente, não acha?”
“Mas ela iria querer estar lá... Ela nunca vai te perdoar se não esperar por ela.”
Ela sorriu, mas seus olhos eram uma imensidão de tristeza. “Então mais um item para a lista. Vai ser algo íntimo e rápido. Só estou esperando que eles entrem em contato para avisar.”
“A Yasmin vai passar a noite com eles?...” pensei alto e estremeci com a visão.
“Também não gosto disso, Derick.” Disse com pouco caso.
Era disso que a Yasmin tanto falava sobre a sua mãe? Essa frieza?
“Não parece...”
Ela apertou os lábios e franziu o cenho. “Porque você é estúpido demais como a Yasmin para ver!” berrou. Esboçou falar novamente, mais contida. “Tudo o que o meu marido que acabou de falecer lutou a vida toda para construir vou entregar nas mãos de bandidos para ter a Yasmin de volta. Tudo, Derick. Nem uma colher vai ficar. Não tenho a menor ideia de como vamos ficar depois disso, mas estou ocupada demais fazendo o que posso para que a Yasmin volte. Eu sei que ela me odeia. Ela pensa que eu a odeio, nunca quis que ela pensasse assim... Tudo o que eu fiz eu faria novamente. Não me arrependo de absolutamente nada... Exceto esses últimos anos em que a deixei fazer o que bem entendesse. Olha no que deu.”
“Mas ela não tem culpa disso. É algo que poderia acontecer de qualquer jeito.”
“Nunca saberemos, não é... Derick, vejo o quanto gosta da Yasmin. Mas me pergunto até que ponto... O quanto você faria por ela.”
“O que a senhora quer dizer com isso?”
Sandra pareceu que iria dizer algo, mas no instante segundo apenas balançou a cabeça. “Nada.”
Encarou o telefone na parede e acompanhei os seus olhos até o aparelho que parecia absurdamente caro, como todo o resto naquela casa. “Vai amanhã ao funeral?”
“Claro.”
Ela pressionou um botão sobre a enorme mesa do escritório. Uma senhora com um uniforme mais bonito do que o das outras empregadas apareceu logo em seguida. “Sim, madame. Em que posso ajudar?”
“Olívia, você já arrumou o quarto para o Derick como pedi?”
“Sim, madame. Já está pronto há algum tempo.”
“Ótimo. Separou roupas para ele?”
“Também, madame. Tudo conforme as suas ordens.”
“Então me faça mais um favor. Providencie uma roupa para ele ir ao funeral do Sr. Campbell amanhã.”
“Sim, madame. Deseja que eu prepare uma para a senhora também?”
“Não, Olívia, mas obrigada por lembrar. Já cuidei disso.”
“Estou aqui para isso, senhora.”
“Obrigada. Pode sair agora.”
Olívia sorriu curvando um pouco a cabeça e se retirou da sala.
“Derick, vá se deitar. Amanhã teremos um longo dia. É bom que esteja descansado.”
Eu pensei em insistir para ficar, mas meus olhos mal continuavam abertos. Eu não estava há tanto tempo assim sem dormir - muito pelo contrário - para sentir tanto sono.
“Se lembra onde fica? É o mesmo em que ficou da última vez.”
“Lembro.”
“Então tenha uma boa noite.”
Mas eu não tive. Em vez de apenas apagar e acordar no dia seguinte, tive um pesadelo. Um que me fez acordar soando frio e com o rosto molhado de lágrimas. Coloquei a mão sobre o meu coração que ainda estava acelerado. Acho que eu apenas deveria ser grato por não recordar o que me atormentou durante a noite... mas eu quase podia adivinhar. A voz chorosa da Yasmin do outro lado da linha ainda ecoava na minha mente.
Vítor parecia sereno deitado naquele caixão, mas isso não fazia os fatos melhores. Ele estava morto e Yasmin não pode sequer se despedir de seu pai.
Quando a Sandra foi dizer suas últimas palavras, esperei algo rápido. Poucas palavras. Algo assim “Foi um grande homem. Sentiremos sua falta. Adeus, Vítor Campbell.”. Mas pela primeira vez ela parecia desconfortável em sua própria pele. Piscado várias vezes e apertando seus lábios antes de começar a falar.
“Vítor sempre disse que eu era boa com as palavras e que podia encantar qualquer público.” Ela inspirou e olhou para cima, tentando evitar as lágrimas que se formavam. Só quando ela começou a desdobrar um papel que notei que ela era isso que ela estava segurando com tanta força. A folha estava um pouco amassada. “Se eu apenas falasse, sem ler, tenho certeza de que ficaria mais bonito. Assim como ele merece. Mas... Eu tenho certeza que não conseguiria. Espero que ele me perdoe por isso.”
Quando ela disse que seriam poucas pessoas, imaginei um grupo bem menor do que aquele. Mas todos pareciam sinceros com seus rostos saudosos. Eu era o único com a mente longe... lembrando do rosto aflito da pessoa que mais amou o homem que em breve estaria coberto por terra.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

18- Públio Siro uma vez escreveu...

“Ninguém pode fugir ao amor e à morte.”
Eu enjoava facilmente com velocidade, mas me esforcei ao máximo para não perder mais tempo que o necessário na estrada.
A Mansão Campbell parecia realmente assustadora - não tinha prestado atenção da última vez. O terreno era o maior de toda Primavera. Eu provavelmente odiaria passar em frente àquela casa depois do escurecer. Só em imaginar senti calafrios.
Apertei o interfone no portão. Notei a câmera se movendo na minha direção, era desagradável.
“Oi... Sou o Derick. Preciso falar com a Sra. Campbell. É urgente, por favor. Ela me conhece, sou o namorado de sua filha.”
O portão fez um estalo, dei um pulo para trás com o susto. Suas portas se afastaram.
Voltei ao carro e fiz a passagem até a frente da monstruosa porta da casa. Tinha um mordomo em pé, parecia me esperar. Saí do carro e fui em sua direção, desconfortável.
“Sr. Derick, deixe-me te acompanhar até a Sra. Campbell. Ela te aguarda no escritório de seu marido.”
Entrei na sala e o mordomo sumiu. Sandra estava ansiosa, mexendo em alguns papéis sobre a mesa.
“Derick, pensei que fosse horário escolar.” Ela disse, notavelmente, desaprovando a minha presença.
“Isso não importa. A Yasmin está em perigo. Entendo que não pudesse ocupar a linha telefônica, então vim.”
Ela ergueu as sobrancelhas. “Era melhor que tivesse entendido que vir também não seria de ajuda.”
Engoli em seco. “Só quero saber o que está acontecendo...”
Ela parou suas mãos sobre os papéis. “Yasmin foi seqüestrada. Eles querem TODO o nosso patrimônio em troca. A única pessoa que tem o poder pra fazer isso teve outra parada cardíaca essa manhã.” Sua voz tremeu, mas suas expressões não mudaram. “Estou tendo que resolver coisas o suficiente por minha própria conta para ainda me preocupar com o namoradinho da Yasmin matando aula.”
“Se preocupar comigo?”
“A escola não teria permitido e seus pais muito menos. O que faz de você um problema pra mim agora. Mais um para resolver e eu realmente não estou com humor.”
Tentei ignorar, concentrando-me na Yasmin. “E a polícia? Não vejo ninguém por aqui. Não vi nenhum em Almerin também. Eles já não deveriam estar em todo canto procurando por ela?”
Sandra me encarou. “Não seja estúpido! É claro que não comuniquei nada a eles. Acha mesmo que essa não foi uma das primeiras coisas que o seqüestrador me avisou que não fizesse?”
“Mas, então...”
“Exatamente, Derick. Mãos atadas. Não consigo nem achar algum maldito papel com uma assinatura do Vítor!” empurrou as coisas da mesa no chão e sentou-se de costas para mim na ponta da mesa.
Aproximei-me temeroso. Ela parecia chorar. Toda a sua pose bem longe dela agora. Toquei o seu ombro, hesitante. Pensei no que poderia dizer para acalmá-la. O telefone preso na parede tocou. Ela correu para atender.
“Oi. O quê? Prefiro que me diga agora, por telefone mesmo. Diga.” Suas mãos tremeram. “Entendi. Em pouco tempo estarei aí.” Desligou.
A mão que segurava o telefone repousou na parede ao lado do aparelho. Sua respiração muito intensa. Arfou. Inspirou e expirou, tentando se acalmar. Depois se virou na minha direção. “Vítor morreu.”
Yasmin não suportaria quando soubesse...
“Ah, não chore, por favor.” Ela disse secamente. “Preciso ir ao hospital resolver as coisas para o enterro. Você pode ficar aqui? No caso dos sequestradores ligarem. Diga o que aconteceu. Vou poder dar o que eles querem agora.”
Assenti com a cabeça ainda surpreso.
Ela saiu, deixando-me sozinho naquela sala. Peguei os papéis do chão, fiz uma pilha e deixei sobre a mesa. O telefone tocou. Um frio percorreu a minha espinha.
“Alô?”
“Derick?” reconhecia a voz da Sally.
“Não posso ocupar essa linha, prima.”
“Bem, mas eu preciso falar com você... Mas que merda! Cadê o seu celular?”
Tinha levado comigo, mas...
“Desligado...”
“Ótimo! Tentei falar com a Yasmin e também parece estar desligado. O que vocês dois estão fazendo aí em plena terça-feira?”
“Vou ligar meu celular e ligo pra você.” Desliguei.
Como eu iria explicar para Sally o que estava acontecendo? Ela iria surtar. Pensei que poderia explicar tudo já com a Yasmin comigo, bem.
Suspirei e liguei para a minha prima.
“Derick.” Seu tom já não era mais de irritada, ela estava aflita. “O que está acontecendo? Estou até com medo da resposta.”
“Prefiro explicar depois, Sally. Só fica calma, estou bem. Vou ficar aqui por um tempo. Avisa aos meus pais, por favor.”
“Eu aviso, Derick. Mas me explica agora. Não vou conseguir ficar calma assim.”
Saber só iria piorar...
“Derick!”
Lembrei de quando a Sandra disse não ter dito nada aos policiais. Se eu contasse a Sally...
“Eu estou bem, Sally. Não liga pra cá. Assim que eu puder te explico. Tchau.”
“Derick...” suplicou.
“Desculpa...” desliguei o celular.
O telefone tocou novamente. Sally iria insistir, eu deveria ter imaginado.
“Sally, por favor, não faz isso de novo.”
Já estava para desligar quando prestei atenção naquele som medonho na linha.
“Desculpa te decepcionar, mas não sou Sally... E você não é a Sandra. Pensei que tivesse sido claro com ela sobre manter essa linha apenas entre nós dois.” Eram eles.
“Sou o Derick...”
Ouvi barulhos.
Um choramingar. “Derick?” Yasmin. Sua voz era desespero puro.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

17- Saul Alinsky uma vez escreveu...

“Tática significa fazer o que você pode com o que você tem.”
Um cheiro forte fez doer minhas narinas. Percebi que estava com os olhos fechados. Ouvi vozes. Espremi meus olhos, na primeira tentativa de abrir, as luzes eram fortes.
“Funcionou!” uma voz familiar comemorou.
“Deixem-me vê-lo. Já falei para todos vocês saírem. Aqui é uma enfermaria, não um ponto de encontros, por céus!” uma voz feminina disse irritada.
Uma mão gelada tocou o meu rosto, “Consegue abrir os olhos?”, era a mesma voz profissional.
Tentei novamente, deixei que meus olhos se ajustassem à luminosidade.
“Ótimo.” A jovem morena, com olhos castanhos esverdeados, disse satisfeita.
“Ah, Derick, você acordou!” minha irmã contente logo atrás da jovem que me avaliava.
A jovem se virou. “Ainda estão aqui? Preciso chamar os seguranças? Será possível! Ele precisa de espaço. E vocês deveriam voltar para as suas salas de aula.”
“Estamos no intervalo.”
Intervalo? Aquela era a enfermaria. Não fazia ideia de como tinha ido parar ali.
A jovem encarou a minha irmã em silêncio.
“Ok! Que seja! Já entendi!”, Talita subiu um tom agudo. “Derick, assim que você sair nos procure.” Pediu antes de sair.
“Lembra o que aconteceu?”
Recapitulei os meus passos. Estava no pátio. Procurei a Yasmin...
“A Yasmin!” gritei em alerta, recordando o telefonema.
“Ei, acalme-se.”
“Eu preciso ir.”
“E eu preciso que você se acalme. Seus amigos te trouxeram aqui mais cedo. Eles te viram cair no chão. Você desmaiou. Já era pra ter acordado há bastante tempo. Tenho que ver se você está mesmo bem.”
“Eu estou. Olha... Sei que é o seu trabalho, mas eu realmente preciso ir. Prometo que depois volto para uma consulta.”
Ela bufou. “Seus amigos me deram trabalho suficiente hoje. Quer sair, saia. Não vou continuar insistindo. Só espero que realmente não seja nada sério.”
Não me desculpei, como teria feito em outra ocasião. Levantei apressado. Tateei meus bolsos, procurando meu celular, enquanto passava pela porta da enfermaria do colégio.
Lembrei-me da Talita preocupada comigo, pedindo que ligasse para ela, mas não o fiz. Ela precisaria me desculpar por isso, mas eu tinha algo mais urgente em mente: saber da Yasmin.
Disquei para o seu número. Ninguém atendia. Insisti, mas foi inútil.
Minhas mãos tremiam. Eu queria chorar e deixar aquele medo tomar conta de mim, mas não podia. A Yasmin...
Eu não tinha o número do telefone da casa da Yasmin ou o de sua mãe e pai. Gritei comigo mesmo por isso. Sally deveria ter, pensei. Liguei para ela.
“Sally?”
“Derick! Já saiu da enfermaria? Como você está? Onde você está?” disparou.
“Bem. Depois conversamos, Sally. Agora preciso da sua ajuda... Você tem o número do telefone da casa da Yasmin ou o dos seus pais?”
Agradeci que a minha prima não fizesse perguntas. “Tenho o da casa. Espera, vou procurar.” Um instante. “Pronto. Anota aí.”
“Obrigada, Sally” desliguei.
Não perdi tempo e liguei para a casa dos Campbell. Fui atendido no primeiro toque.
“Alô?” reconheci aquela voz, era a Sandra, mas notei a urgência em seu tom.
“Sandra? É o Derick.”
Ela suspirou desapontada. “Derick, agora não é uma boa hora.”
“Eu sei o que aconteceu com a Yasmin.”
Silêncio.
“Ele me disse que estava negociando com a senhora. Eles vão liberá-la?”
Silêncio.
“Sandra?” minha voz beirava o desespero.
“Derick, ainda estamos negociando. Eu preciso desligar agora. Eles estão entrando em contato comigo por esse número.”
“Como assim ainda estão negociando?”
Ela desligou. Liguei de novo.
“Sandra?” minha voz mais irritada.
“Derick, através desse telefone estou cuidando do que é preciso para ter a Yasmin de volta. Não atrapalhe.” Disse secamente e desligou.
Uma onda de raiva me atingiu. De forma alguma eu ficaria de braços cruzados. Não podia ajudar ocupando a linha, mas certamente eu ajudaria pessoalmente. Voltaria para Primavera. Ninguém me impediria.
Sabia que não adiantaria conversar com a Direção do colégio. Falar com os meus pais também não, eles não concordariam com isso. Então fiz do meu jeito. Peguei o carro da Yasmin e parti para a Primavera sem avisar a ninguém. Era estúpido, mas eu não queria correr o risco de ser impedido.
Ligando o motor do carro fui levado a uma lembrança.

“Por que você tem um carro por tanto tempo se ainda não pode dirigir?”
O olhar da Yasmin se encheu de ternura. Percebi que era uma lembrança especial antes mesmo que ela começasse a falar. “Estava com o meu pai quando vi esse carro. Ele ia comprar um novo automóvel e me levou com ele. Tinha uns treze anos quando me deparei pela primeira vez com um carro rosa na vida. Fiquei encantada. Não soube que meu pai tinha percebido a minha fascinação pelo carro até que na semana seguinte me levou até a garagem e me mostrou essa maravilha pink.” Seu sorriso se alargou. “Meu pai não é nada do tipo de fazer coisas ilícitas, mas... Bem, ele me que me ensinou a dirigir. Só quando teve certeza de que eu podia sair com o carro sem bater em nenhum poste é que ele me deu as chaves. Nunca fiquei tão feliz. Mas ele me disse para não dar mais do que umas voltinhas em Primavera...”
“Acho que você não deu muito crédito a esse conselho...”
Ela gargalhou. “Realmente não, mas me contive bastante. Se ele não tivesse dito isso, eu provavelmente teria saído feito louca pelas cidades a fora.”
Olhei duvidoso.
“Ah! Não acredita em mim?”
“Dificilmente conseguiria te imaginar assim.”
“Então isso é um desafio e eu não recuso um, Derick Campos. Entre nesse carro. Você nunca mais vai duvidar de mim. Já eu duvido você ter coragem de ir comigo nessa viagem.”

quarta-feira, 18 de maio de 2011

16- Bussy Rabutin uma vez escreveu...

“Quem não ama demais não ama o bastante.”
“Sim, Yasmin. Sou eu.”
Silêncio.
“Estou cansada, já vou dormir. Tchau.”
“Não! Não desliga, por favor.”
Ela esperou.
“Eu quero muito conversar com você. Pessoalmente, eu digo.”
Sally estava atenta à conversa. “Marca de se encontrarem agora.” Sussurrou.
“Agora seria melhor. Não quero deixar isso pra depois. Podemos?”
O silêncio foi mais longo.
“Yasmin?”
“Não comi, porque já ia dormir, mas se vou ficar acordar por mais tempo... No Narciso’s então. Estarei lá em dez minutos.” Desligou.
“E então?” Sally quis saber.
“Ela está indo pro Narciso’s. Já vou.”
“Tá. Vai logo! Depois você me agradece.”
Sorri e dei um beijo estalado na testa da minha prima. “Obrigado!”
“Tá, tá... Agora vai logo, vacilão.” Tentou esconder seu sorriso.
Narciso’s ficava a poucos passos de onde estávamos. Cerca de cinco minutos de onde Yasmin estava. Ela era pontual, mas já tinha passado meia hora sem que ela aparecesse. Talvez ela tivesse mudado de ideia. Lamentei não estar com o meu celular. Eu ficaria no Narciso’s até que não pudesse mais. E, de fato, fiquei.
Saí da lanchonete relutante. O toque de recolher do Colégio Elite já estava quase no limite da tolerância, precisava voltar.
Na manhã seguinte a primeira coisa que fui fazer foi procurar a Yasmin. Ela não poderia fugir. Esperava que a minha prima estivesse certa quanto ao seu conselho e que eu não estivesse só piorando as coisas com a Yasmin... Se bem que não falar com ela e mal vê-la já era ruim o suficiente.
Ela não estava com o pessoal no refeitório. Peguei o meu celular e disquei para ela. No terceiro toque fui atendido.
“Oi, Yasmin. Não desliga, por favor.”
“Pensei que ela fosse mais popular. Mas você é o primeiro que procura por ela.” Aquela voz parecia sair de um filme de terror. Senti os cabelos da minha nuca se arrepiarem.
Uma risada macabra. “Não precisa se apavorar, não ainda. Yasmin está bem... Viva. Derick... Você é o seu namorado. Então imagino que fará a coisa certa. Nesse exato momento tem alguém falado com a Sandra Campbell, tratando de negócios. Mas ela parece relutante para ter a sua filha de volta. Talvez você devesse intervir por sua namorada. O tempo está passando e não gosto de tempo ocioso. Mais horas se passam... Menos Yasmin fica bem. Eu realmente odiaria ter que mandar um dedo ou uma orelha para me fazer ser acreditado. Isso é nojento. Deixaria a jovem deficiente e muito traumatizada. Não há necessidade de nada disso. Colabore comigo, Derick. Acho que já deixei bem claro sobre as conseqüências que a minha impaciência pode trazer.” Desligou.
Lembro do frio insuportável que me envolveu. Escuridão. 

Muita claridade. Por um instante pensei que estivesse no meio do nada, onde branco fosse a única coisa existente.
Então, aquele par de olhos estreitos apareceu na minha frente. Seus cabelos espalhados ao redor do seu rosto. Um sorriso tímido, tão doce, brotou de seus lábios. Suas faces coradas fizeram o meu coração dar um salto. 
“Não fica me encarando assim...” Yasmin suplicou com a voz baixa.
“Você é tão linda...” disse fascinado.
Ela não conseguia me olhar nos olhos por mais de meio segundo. 
“Está com fome? Deve estar... Vou fazer um pedido pra gente.” Tentou sair debaixo de mim, mas a mantive firme no lugar. Disparou seus olhos nos meus, surpresa.
“Quero ficar aqui com você por mais um tempo.” Disse. Sua bochecha subiu mais um tom. 
Ficamos um tempo incontável assim. Toques sutis, apenas pontas de dedos deslizando pelo rosto. Eu queria ter certeza de que não era apenas um sonho. Queria guardar aquele momento para sempre. 
Se em algum dia algo ruim o suficiente acontecesse para nos separar, eu gostaria de me lembrar daquele dia, onde nos amamos completamente. Queria nunca ser capaz de esquecer daquele momento. Sua pele desnuda, a luz do dia a cobrindo pouco a pouco, sua respiração fora de ordem, o sorriso que não saía por nada de nossos lábios. Eu esticaria as horas o quanto fosse possível.
Juras de amor trocadas apenas com olhares. Silêncio. Eu duvidava que em algum dia eu fosse sentir desconforto com aquele silêncio. Era mágico. Eu estava tão perdidamente apaixonado.
Seu estômago fez um som. Ela espremeu seus olhos com vergonha.
“Tem alguma coisa na dispensa?”
“Tem...”
“Então não saia daí que vou preparar algo para nós dois.” Dei um beijo rápido em sua testa e me coloquei de pé tão logo. Procurei alguma peça de roupa para usar.
“Eu peço pelo telefone, não precisa ter trabalho.” Ela disse se inclinando na cama, buscando os lençóis para se envolver.
Deixei escapar um riso. “Não sou tão ruim assim na cozinha, amor. Prometo não colocar fogo em nada. Só espere aqui, não demoro.”
Ela repousou na cama novamente. Senti seus olhos me acompanhando.
Já estava terminando de colocar uma mistura nos pratos. 
“Ninguém nunca fez algo assim só por mim.” Ela disse, surpreendendo-me com sua presença.
“O quê?”
Ela se aproximou. Deixei os pratos sobre a bancada. Yasmin passou as mãos por meus cabelos, meu corpo estremeceu. “Derick,” parecia tensa. “Eu...”
“Yasmin, está tudo bem?”
Assentiu com a cabeça. “Eu te amo. Eu te amo, Derick.” Foi a primeira vez que ela me disse.
Estávamos em sua casa, após a nossa primeira noite juntos, era dezembro. Nos nossos planos para nossa primeira noite de amor teria acontecido na virada do ano novo. Já tínhamos tudo planejado. Mas na noite anterior as coisas fugiram do controle. Os beijos ficaram mais exigentes. As mãos mais curiosas. A cama sob nossos corpos. As roupas perdidas pelo quarto. E aqueles lindos olhos fugindo dos meus. Não tínhamos porque esperar mais. Ela me amava, eu a amava. E isso seria para sempre.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

15- Plauto uma vez escreveu...

“Nada é mais amigo do homem que o amigo na hora certa.”
Tentei falar com a Yasmin nos intervalos entre as aulas, mas foi inútil. Ela disse estar pegando as matérias perdidas e procurando ajuda de monitores. O que verdade, mas, ainda assim, soava como uma desculpa para não estar comigo.
Eu não conhecia aquele lado da Yasmin, tão ressentida. Dez meses de namoro, mas o tempo de convivência e nunca a vi agindo assim. Queria tanto que ela e sua mãe se entendessem que não me dei conta de que a minha pequena atitude em relação a isso poderia ser muito para a Yasmin. Eu não tinha o direito. Yasmin não me queria em sua companhia no hospital para que eu não ficasse com sua mãe e fui estúpido o suficiente para não perceber.
O que tinha acontecido entre as duas eu não fazia ideia e quanto mais pensava nisso mais intrigado ficava e mais tentava ignorar a minha curiosidade.
Yasmin precisava de tempo, eu esperava que fosse isso o suficiente para que me perdoasse. Era hora de respeitar a sua vontade, mesmo contra a minha. Foi o que fiz quando não a procurei pelo restante do dia. E no dia seguinte. E no seguinte a esse. Uma semana já não era tempo o bastante para que ela, pelo menos, voltasse a olhar para mim? Duas semanas e nada.
“Derick...” minha prima me chamou, pronunciando a sua presença.
Eu estava a caminho do dormitório.
“Oi, Sally.”
“Meu Deus, Derick! Você está péssimo! Você e a Yasmin estão me deixando muito preocupada. O que está acontecendo?” suplicou.
“Estraguei tudo. Acho que a Yasmin não vai mesmo me perdoar, mas ainda estou esperando por isso.”
“Vem comigo à pracinha, pra gente poder conversar mais à vontade.”
“Já estou indo deitar, Sally...”
“Para, Derick! Você vai comigo até a pracinha. Você se isolou de todo mundo. Acha que ninguém percebeu? Pelo amor de Deus! A sua sorte é que amo vocês dois demais pra ficar apenas assistindo. Não estou nem aí se estou sendo inconveniente. Vou ficar te enchendo a paciência até que converse comigo, você me conhece...”
“Vamos...”
Segunda-feira não era o ponto alto da semana na praça, então éramos apenas nós dois e as pouquíssimas pessoas que passavam pela rua.
“Eu perguntei a Yasmin, mas ela nunca vai me dizer a verdade. Conheço aquele tom de ‘está tudo bem’, quer dizer que está tudo errado. E você parece um fantasma pelo colégio. Se não tivéssemos clubes em comum, aposto que não te veria.”
Fiquei em silêncio. A dor de não estar com a Yasmin era tudo o que rondava a minha mente.
“Derick, eu sei que quando você não está bem você fica assim... No seu próprio mundo, sei lá.” Fez um gesto.
Pegou as minhas mãos, “Mas você sabe que não vou te julgar. Jamais faria isso. Quero te ajudar.”
“Você não pode.”
“Me diz o que aconteceu. Eu com certeza vou te ajudar, Derick. Eu podia estar fazendo qualquer outra coisa, mas estou aqui, não estou? Foi quando ela ficou aqueles dias em Primavera, não foi?”
“Foi... Eu queria que ela e a sua mãe se entendessem. O relacionamento das duas é tão triste... Insisti que ela retornasse a ligação de sua mãe e eu sabia que ela não queria. Depois ela quis ficar sozinha com o pai no hospital e eu fiquei na sua casa com a sua mãe, em vez de voltar pra cá. Não pensei que fosse algo TÃO ruim, mas ela começou a me evitar pelo celular. Quando voltou... O André desceu do taxi com ela. Ela já me explicou, mas na hora...” Era cansativo falar o que revivi tantas vezes mentalmente.
“André idiota! Também não gosto da Sandra. Ela é muito controladora como mãe e em todo o resto. Yasmin não gosta de falar sobre ela, é difícil saber o que aconteceu. Mas Yasmin é... Você sabe. É difícil atingir essa garota. Se o assunto Sandra é tão evitado assim, acredite, ela tem bons motivos para isso, Derick. Não insista com elas duas. E para o seu bem, fique longe dessa mulher. Não tente entender nem conhecer os motivos. A Yasmin te ama, quando ela se sentir bem, te contará.”
“Vou respeitar isso.” o remorso parecia não ter fim.
“Já se passou bastante tempo... Vocês se falam? Como estão?”
“Não quero cometer o mesmo erro de novo, Sally. Ela não quer falar comigo, vou respeitar.”
“O quê?! Ficou doido?” ela quase gritava.
Olhei assustado.
“Derick! Não me diga que você não tem tentado falar com ela por todo esse tempo, por favor...”
Abaixei meus olhos. Culpado.
Sally fechou os olhos e suspirou, “Se você não estivesse tão miserável eu te bateria. Derick, você está esperando que a Yasmin venha até você? Sério? Andou fumando ou o quê? Me explica a sua lógica, porque não vejo nenhuma.”
“Eu deveria ter insistido? Mas isso só não a deixaria ainda mais irritada?”
“Aí, meu coração frágil... Eu sei que ela é sua primeira namorada e tudo mais, mas tem coisas que simplesmente se sabe, Derick. Se coloca no lugar dela. Você não insiste, o que ela vai pensar? Um pouco de atitude é pedir muito? Cara! Não estou acreditando ainda.”
Ponderei.
“Chega de pensar, meu filho! É capaz de você arrumar mais algum motivo pra ficar sem fazer nada. Cristo! Pega essa porcaria de celular e liga pra ela. Liga até ela atender ou a bateria acabar. Se eu não te conhecesse e não soubesse o quanto ama a Yasmin, juro que pensaria que você quer mesmo que tudo acabe.”
“Eu não estou com o celular.” estava um pouco assustado.
Sally revirou os olhos, “Claro que não está. Tudo para facilitar. Mas eu estou com o meu o que quer dizer que é bom que você faça tudo certo agora, porque ela com certeza vai atender. E quando ouvir a sua voz em vez da minha vai me xingar um bocado mentalmente. Se você estragar isso, vamos ser nós dois na lista negra da Yasmin.”
Ela puxou seu celular do bolso, discou e me entregou.
“Oi, Sally! Não vou comer com vocês hoje, desculpa. Já estou no meu quarto.”
O frio no meu estômago só perdia para o meu coração tentando sair do meu peito. Eu não tinha ideia do que falar. Não conseguia pensar. Era tão bom ouvir a sua voz...
“Fala alguma coisa...” Sally sussurrou impaciente.
“Oi... Yasmin...” engasguei.
Silêncio.
“Derick?” sua voz quase inaudível.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

14– Alexander Pope uma vez escreveu...

“Abençoado é o homem que nada espera, pois ele nunca se decepcionará.”
Já era domingo e eu não era mais capaz de suportar a ansiedade para sentir o gosto daqueles lábios rosados novamente. As horas pareciam não passar e quando finalmente a noite caiu sabia que em pouco tempo ela estaria com seu lindo sorriso na minha frente.
Estava segurando um buquê de flores, encostado em um murinho de um dos prédios do Colégio Elite. O restante do pessoal estava a esperando no refeitório. Já tínhamos planejado tudo.
Ela não fazia ideia, a sua mãe que me falou o horário em que a Yasmin chegaria.
Foram dias difíceis. Yasmin foi urgente em desligar o celular todas as vezes que tentei conversar com ela. Não conhecia seus motivos. Imaginei que quisesse passar o máximo de tempo possível com seu pai. Ela sempre lamentava por ficar pouco tempo com ele.
Um carro parou na entrada principal. Eu podia sentir que era ela. Não vi o modelo ou cor do automóvel. Meu coração tinha parado de funcionar. Minha respiração... Quem lembraria de respirar naquela situação?
Ela desceu do carro sorridente como havia imaginado. Eu podia contar os segundos até que ela ficasse surpresa a me ver. O carro partiu e foi apenas nesse momento que vi aquele rapaz alto ao seu lado. Ele carrega uma mochila nas costas. Yasmin e ele trocavam gargalhadas. Aquele era o André...
Tinha algo de muito errado acontecendo. Não era possível... Senti um nó na garganta. Os dois não me viram e passaram direto para dentro do prédio. Não consegui tirar meus olhos daquele pedaço da rua em que os dois desceram do carro. Senti o buquê escorregar das minhas mãos e esqueci como se movia por algum tempo. Percebi que tinha prendido a respiração só quando o ar voltou a circular abruptadamente.
A forma como a Yasmin me tratou nos últimos dias e depois rindo com o seu ex-namorado? O que ela riscou de sua vida? Que a traiu com sua melhor amiga? O que era aquilo?
Forcei meus pés a me levarem ao dormitório. Precisava ficar sozinho. Dormir apenas. Mas aquela cena não parou de se repetir na minha mente por toda a noite. Eu queria explicações. Não, eu não queria de verdade. Mas eu precisava. Talvez eu estivesse tendo uma reação exagerada. Talvez. Eu precisava acalmar as minhas emoções antes de procurar por qualquer resposta. Desejei que as longas horas da noite fossem o suficiente para isso.
Meu celular estava lotado de mensagens e chamadas não atendidas. Como eu explicaria o que me fez sumir ontem à noite sem soar completamente bobo aos olhos de meus amigos? Eu deveria ter colocado meus lábios nos da Yasmin logo que a vi, sem me importar com a presença do André. Eu tinha certeza que era assim que qualquer um teria agido no meu lugar.
No refeitório pela manhã, antes da primeira aula, avistei a Yasmin na mesma mesa que nossos amigos. Caminhei até eles.
O que mais me surpreendeu em tudo foi estar desconfiando da Yasmin. Ela nunca tinha me dado motivos. A maior parte de mim tinha tanta certeza de que o ocorrido da noite passada não tinha sido nada, que eu havia enfeitado a situação. Mas também tinha aquela pequena parte que me alertava... Um frio cortante na minha espinha.
“Bom dia!”
Talita socou meu braço “É bom que tenha uma ótima explicação, Derick! Porque passamos a noite ontem imaginando que ser sobrenatural poderia ter sido o causador do seu sumiço repentino.”
“É melhor deixarmos eles a sós.” Ricardo sugeriu, levantando-se.
Talita o puxou no mesmo instante, fazendo um baque surdo “Ele que se vire e leve a namorada dele pra conversar em outro lugar. E é bom que seja rápido, porque falta pouco para as aulas começarem.” minha irmã disse duramente.
Yasmin se levantou e, sem me encarar, aproximou-se.
“Vamos para o pátio.” Yasmin.
Durante o caminho não trocamos palavra alguma. Analisei a Yasmin. Estava séria, tensa. Queria poder lhe fazer sorrir. Perdi as forças para questioná-la do que quer que fosse. Um abraço e sentir o cheiro de seus cabelos limpos... Tudo o que precisava.
Minha namorada continuou calada quando chegamos no pátio. Ela esperava que eu falasse. Já estava tão arrependido...
“Eu te vi ontem... Quando você chegou... Com o... Ele... Mas isso não tem mais importância.” as palavras tentaram não sair.
“Eu sei.”
Olhei surpreso “Você me viu?”
“Não. Depois quando não te vi esperando com os outros na cantina. Eles me disseram.”
“Yasmin, me desculpa...”
“Ele apareceu lá em casa, com a desculpa de ver o meu pai. Depois insistiu tentando falar comigo. Desculpou-se novamente por tudo e deixei pra lá. Não me importo mais se ele está ou não por perto. É indiferente. Ignorar não resolveu muito... Dividimos o mesmo taxi na volta. Falamos sobre gostos em comum. Demos algumas risadas.” ela disse sem emoção, economizando palavras.
“Você não atendia as minhas ligações.”
“Falei com você uma vez.”
Encarei incrédulo. Era isso? Uma vez tinha sido o suficiente? Eu estava mesmo sendo tão absurdo assim?
“Pra me dizer que depois nos falávamos.”
“Sim. Não é o que estamos fazendo agora?”
Aquelas palavras mal pareciam pertencer ao meu amor.
“Yasmin, o que aconteceu? Você está estranha comigo desde que fomos ver o seu pai.”
Ela suspirou, como se eu estivesse sendo cansativo “Nada, Derick.”
Isso confirmou o que eu temia. O que ela não estava me dizendo?
“Eu queria ter ficado com você. Foi isso? Mas quando você disse que eu não ficaria, pensei que fosse melhor apenas te deixar passar esse tempo com o seu pai. Sua mãe até me convidou...”
Ao som da palavra mãe Yasmin me encarou com grande ressentimento.
“Não sei se fiz mal passando a noite na sua casa, mas a sua... Sandra insistiu. Ela falou bastante de você.”
Seu olhar estava me atravessando, “Imagino. Ela deve ter sido um amor de pessoa também. Não quero me atrasar para a aula. Depois nos vemos.” seguiu para a sala de aula.
“Espera, Yasmin!”
“Depois, Derick.”
O fim era assim? Porque eu tinha essa impressão. Eu faria de tudo para estar errado.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

13- Graham Greene uma vez escreveu...

“A inocência é uma forma de insanidade.”
“Gostaria de poder ficar...”
“Eu posso imaginar, mas não é permitido. Yasmin ficará bem. Meu marido também. Foi só um susto. Ele ainda não acordou, mas os médicos garantem que logo irá. Deixe a Yasmin com seu pai por essa noite. Amanhã cedo você poderá vê-la. Venha comigo agora... Você também precisa descansar.”
Enquanto o seu motorista nos levava para a mansão dos Campbell, a mãe da Yasmin trocou algumas palavras comigo. Procurando me conhecer mais, imaginei.
Os sentimentos negativos e intensos que a minha namorada carregava a respeito de sua mãe me fizeram esperar o pior daquela mulher com um sorriso deslumbrante; lamentei que a Sandra limitasse tanto seus sorrisos. Talvez por isso tenha me surpreendido tanto com a conversa fácil, seu interesse em me conhecer, em se fazer conhecer. Esperei por hostilidade, mas não veio em momento algum.
Sandra não era o que se pudesse chamar de espontânea. Seus gestos e as palavras que usava pareciam ser sempre cuidadosamente escolhidos. Falava num tom de voz agradável, sem muita pressa, sem muitas pausas, na medida certa. Muito educada. Mesmo que mantivesse uma distancia de intimidade proposital, conseguia não ser arrogante.
Confesso que passei a noite, durante o jantar e enquanto me mostrava a mansão, procurando qualquer ponto que me indicasse o motivo do desarranjo entre mãe e filha. Falhei. Apesar do desconforto, por sentir que era errado, talvez uma traição, simpatizar com aquela jovem senhora não consegui deixar de apreciar muito a sua companhia. Fiquei contente por ter a sua atenção. Quase realizado. O que era estranho. Não entendia o motivo de estar tão grato por aquelas poucas horas ao seu lado.
Antes de fechar meus olhos e dormir visualizei a Yasmin. Sua expressão de pavor ao ouvir a notícia. Uma culpa horrível me cobriu pelas horas que passei sorrindo à toa com sua mãe. A consciência pesada e a preocupação transformaram dormir em uma tarefa muito difícil. Eu precisava vê-la, estar ao seu lado, mesmo que tudo o que eu pudesse fazer fosse estar lá. Como ela estava? Quanto tempo faltava até que pudesse saber?
Não lembro quando finalmente consegui dormir, mas parecia ter sido há pouco tempo quando ouvi o despertador tocar. Meu corpo não queria se mover, meus braços e pernas pareciam pesar toneladas. Eu teria me dado por vencido ao cansaço senão fosse a imagem da Yasmin a invadir a minha mente novamente. Eu precisava estar com ela.
Lavei o rosto e me arrumei rapidamente. Encontrei a Sandra sentada sozinha diante de uma mesa repleta de delícias de todos os tipos. Ela parecia tão confortável com aquele silêncio e vazio enquanto comia. Talvez ela estivesse acostumada àquilo. Não consegui deixar de me questionar em como aquela mulher tão agradável poderia estar em qualquer momento sozinha. Quem não desejaria estar ali... Sim, tinha a Yasmin, lembrei. Talvez aquelas impressões fossem apenas minhas. Lamentei em silêncio, não entendendo o que realmente me deixava tão incomodado com aquela cena.
“Bom dia, Derick! Sente e sirva-se. Depois vamos ao hospital. Meu marido acordou.” ela não parecia ansiosa, tão calma, contida.
Senti um alívio me tomar ao ver a Yasmin sorridente conversando com seu pai no quarto do hospital.
Aproximei-me dos dois. Dei um beijo no topo da cabeça do meu amor e fitei meu sogro. Um homem de idade avançada, muito cansado, mas sem economizar sorrisos juntamente com sua filha.
“Sr. Campbell... Fico feliz em ver que o senhor está bem.”
“Ah, criança, me chame apenas de Vítor. Yasmin estava com medo de que você não sobrevivesse na companhia de minha esposa. Mas pelo visto, ela que não sobreviveu...” disse rindo depois de não encontrar a Sandra no quarto.
“Não... Ela já vem. A recepcionista disse que o senhor já pode ir para casa. Ela está cuidando disso.”
“Eu vou ficar, pai.”
Olhei surpreso para ela, buscando seus olhos, mas ela não parou de encarar seu pai em momento algum, nem mesmo quando cheguei.
“Filha, isso não é necessário. Você tem aulas, não pode faltar. Já perdeu algumas hoje. Se for agora, ainda consegue assistir alguma da manhã.”
“Não, pai. Eu vou ficar. Quem vai cuidar do senhor? Não vou te deixar com enfermeiras... Sei bem que vai querer voltar logo ao trabalho e duvido que possa nos próximos dias.”
Ele soltou uma gargalhada leve “Querida... Papai ama a sua presença, mas não posso deixar que mate aulas por isso. Você pode vir no final de semana. Prometo não tocar em trabalho até que os médicos me liberem.”
“Como se eu fosse acreditar. Vou ficar e fim da história. Uns dias sem ir a escola não vai me prejudicar. Depois vou pegar a matéria com a irmã do Derick.”
“E o seu namorado? Vai perder aulas também?”
“Não. Ele vai voltar.” disse antes que eu pudesse.
Eu não me importava em faltar com ela. Ficar o restante da semana sem a Yasmin... Por que ela não queria que eu ficasse?
“Vou ver se a Sra. Campbell precisa de ajuda em alguma coisa.” disse e me retirei de suas presenças.
Não fui até a Sandra. Procurei outro corredor e sentei-me numa cadeira qualquer.
Nossos amigos, deveriam estar preocupados. Peguei meu celular e encontrei incontáveis chamadas não atendidas deles. Mandei SMS para todos, avisando que estávamos bem e que logo daria detalhes.
“Perdido?” Sandra me perguntou.
“Vim avisar nossos amigos...”
“Soube que você já está de partida.”
Yasmin estava mesmo desejando que eu fosse.
“Sim. Parece que eu já deveria estar a caminho.” suspirei.
“Foi um prazer te conhecer, Derick. Espero que venha nos visitar mais vezes.”
“Digo o mesmo.”
“Se você também quiser ficar, eu posso conversar com a Direção do colégio...”
“Agradeço, mas vou mesmo.”, levantei-me, “Estou indo ao quarto, também vem?”
“Não. Vou ficar um tempo aqui antes. Tenha uma boa viagem.”
Fui me despedir da Yasmin e de seu pai.
“Lamento que tenhamos nos conhecido nessas circunstancias, filho, mas assim que eu estiver melhor, combinamos algo mais apropriado, certo?” Vítor.
Yasmin não se levantou para se despedir, sequer me olhou. Continuou absolvida pela presença de seu pai. Eu sentiria imensamente a sua falta... Talvez a minha também fosse sentida.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

12- Fernando Pessoa uma vez escreveu...

“Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência.”
Ele a beijaria? Era em tudo o que a Mariana pensava com seus corpos tão próximos um do outro. Ela queria. Estava esperando por isso. Mesmo que estivesse lutando tão fortemente contra essa vontade, tentando se convencer de que as borboletas dançantes em seu estômago não existiam.
Scott conseguia ver tudo isso tão facilmente que o irritava. Inclinou seu rosto para que seus lábios ficassem na mesma altura.
“Não vai me empurrar? Não vai me bater?” Scott sussurrava, próximo demais, provocando-a com a sua típica arrogância.
Mariana recorreu aos seus lábios com urgência. 
Ele não teve tempo para se surpreender. 
Não conseguiam parar. Mal havia fôlego. Eles podiam sentir as batidas de seus corações martelando contra o peito um do outro. E não podia ter nada pelo que esperassem tanto quanto aquele momento. Nada que pudesse ser mais perfeito do que aquele gosto.
Um som irritante que a Mariana conhecia muito bem surgiu da sua camisa; era seu celular.
 “Ela não atende... Será que eles acabaram indo parar na Direção ou na sala da Elenir outra vez?” Sally especulava impaciente.
“Talvez ela nem esteja com o celular. Ela odeia ter que carregá-lo por todo canto.” Yasmin.
“Vou ver se a encontro na Direção. Vocês dois podem ver na Elenir?” Sally.
Mais tarde a Sally encontrou a Mariana em seu quarto.
Já era noite e eu estava vendo a Yasmin dando suas últimas braçadas na piscina do colégio. Seu celular, que estava comigo, tocou.
“Yasmin, seu celular. É a sua mãe...” gritei, esperando que ela ouvisse.
“O que foi?” perguntou se aproximando da beira da piscina, “É o meu celular tocando?”
“É a sua mãe.”
“Ah... Só falta meia volta. Depois eu retorno. Deve ser pra me lembrar que esse final de semana vou passar com ela. Se o som te incomodar, pode desligar.”
Entristecia-me o relacionamento da Yasmin e sua mãe. Não parecia a maneira como mãe e filha deveriam se tratar. Eu sabia pouco sobre o que as levou a agirem assim uma com a outra, Yasmin não falava sobre isso, só conhecia o que a Sally tagarelou uma vez ou outra há tempos atrás. Queria poder ajudar, mas não me sentia no direito.
O celular já havia parado de tocar quando a Yasmin se aproximou de mim, terminando de vestir seu roupão.
“Ainda temos tempo para comermos alguma coisa juntos. Só preciso me trocar primeiro. Prometo não demorar. Me espera aqui mesmo?” pergunto, enquanto pegava a sua bolsa.
“Não quer falar com a sua mãe primeiro?”
Ela me olhou, não esperando que eu fosse insistir com esse assunto “Depois que eu me trocar. No caminho para o refeitório.” disse com pouca vontade.
Durante o caminho, devolvi seu celular.
“Ah... Já tinha me esquecido...”
Suspirei, “Yasmin, talvez você não devesse mesmo ligar. Sinto como se estivesse te forçando e não quero. Deixa isso pra lá. Desculpa ter me intrometido.”
Ela levou um tempo para me dar uma resposta, “Não. Tudo bem. Estou sendo infantil.” e discou.
O que ela ouviu do outro lado da linha criou uma expressão de terror em seus olhos e me deixou aflito.
“Não. Eu vou... Não precisa. Derick me leva. Vai ser mais rápido.”
Desligou e parecia em choque encarando o celular, com os lábios entreabertos.
Coloquei-me a sua frente, desci minhas mãos pelos seus ombros até as suas mãos, “Yasmin...”, tentei chamar a sua atenção. A sua cabeça ainda um pouco abaixada. Peguei o celular de sua mão e o guardei em meu bolso, com a outra mão puxei suavemente o seu queixo para cima. Lágrimas começavam a cair. Puxei-a para perto de mim, abraçando-a.
“Yasmin, meu amor... O que aconteceu? Está me assustando.” disse, tentando não chorar. Vê-la naquele estado... A sua dor era minha.
“Temos que ir... Meu pai...” seu coração batia com tanta força.
“Pra onde? Pro seu pai?”
Ela se afastou do meu abraço, mas não completamente. Olhou dentro dos meus olhos e respirou fundo, buscando força “Meu pai teve uma parada cardíaca. Já está no hospital a essa altura. Mas... A Sandra está assustada. Não sabe se...”
“Calma, amor... Ele está sob os cuidados de médicos, vai ficar tudo bem.”
“Você não entende, Derick. A Sandra estava chorando. Ela nunca chora.”
Tentei abraçá-la novamente, mas não me deixou.
“Ela já falou com a Direção. Só temos que avisar que estamos indo... Claro, se você quiser ir também. Nem te perguntei... Desculpe.”
“Não, amor. É claro que vou. Posso ir dirigindo o seu carro...”
Ela assentiu.
O silêncio nos fez companhia durante toda a trajetória para o hospital que ficava em Primavera. Três horas de viagem. Normalmente, aquele silêncio não teria me incomodado, mas, devido às circunstâncias, tornou-se insuportável.
“Vocês são familiares? O horário de visitas já foi encerrado.” uma jovem na recepção nos informou.
“Ela é filha do Sr. Campbell.”
“Ah! Bem, nesse caso vou chamar uma enfermeira para acompanhá-la até a sala. O senhor espere aqui por um instante, por favor. A Sra. Campbell me avisou sobre a chegada de vocês.”
Em poucos instantes uma enfermeira apareceu pedindo que a Yasmin a seguisse.
“O senhor é o Derick, certo?” a moça que nos atendeu na recepção perguntou.
“Sente-se, por favor. A Sra. Campbell já está vindo te receber.”
Seria o nosso primeiro encontro. Nem mesmo quando criança havia a visto alguma vez. Yasmin nunca me deixava acompanhá-la ao visitar seus pais. Eu não tinha ideia de como a sua mãe pareceria. Imaginava uma pessoa severa quando uma mulher alta, magra e muito bem vestida apareceu na minha frente abrindo um breve sorriso.
Seus traços me lembravam a Yasmin. Era a sua mãe. Imaginei que fosse encontrar feições cansadas e abatidas, mas ela parecia apenas... Calma.
“Então você é o Derick...”
Deixou seu sorriso se alargar e sentou-se ao meu lado.
“Imagino que deseja ver a Yasmin amanhã, antes de voltar à Almerin. Lamento que não poderá ver o Vítor hoje, mas já pedi que meus empregados preparassem um quarto de hospedes para você passar essa noite. Yasmin decidiu ficar. Estou indo agora, me acompanha?”

sexta-feira, 6 de maio de 2011

11- Anne Louise uma vez escreveu...

"O amor é um egoísmo a dois."
As discussões entre os dois nunca chegaram àquele ponto. Todos na sala estavam boquiabertos. Foi difícil para a professora conseguir seguir com a sala em silêncio; agora eles tinham motivos de sobra para falaram. Camila adorou, já tinha mais matéria para o jornal.
Mais tarde, eu, a Yasmin e a Sally nos encontramos com a Mariana no refeitório.
Ela parecia cansada.
“Você vai ter que deixar as aulas de informática mesmo?” Yasmin.
“Não... Ele também não. A psicóloga resolveu nos dar mais uma chance. Mas agora temos que ter algumas sessões com ela... Pra resolver as nossas diferenças.” Mariana revirou os olhos.
“Eita! Tem isso agora, é?” Sally.
“Porque discutimos durante as outras aulas também. ‘Estamos atrapalhando o rendimento das aulas e precisamos aprender a ser civilizados.’ Era só o que me faltava...”
Já estava quase na hora do dormitório fechar as portas, quando o Scott entrou no quarto. Ele sentou-se na beira da cama. Eu estava me deitando.
“Como você consegue andar com alguém como ela?” ele parecia realmente intrigado e fiquei surpreso que estivesse falando comigo. Desde a primeira vez que nos encontramos no dormitório ele não mais dirigiu a palavra a mim.
Estava procurando alguma coisa para lhe falar que pudesse ajudar de alguma forma, mas não tive tempo. Ele soltou ar pelas narinas, pressionando os lábios, desligou o abajur do lado de sua cama e deitou-se.
Talvez ele não estivesse mesmo esperando uma resposta.
Enquanto todos os meus colegas de sala falavam incansavelmente sobre o que fariam profissionalmente, com o nosso último ano do ensino médio chegando ao fim, eu não fazia ideia. Se eu dissesse que minha a preocupação era em não poder ver a Yasmin com a mesma frequência de agora, o que me diriam?
Sempre amei escrever músicas para meus irmãos, mas, de repente, quando comecei a pensar nisso à longo prazo, isso me pareceu tão pouco... Tinha mais cara de hobby do que uma carreira profissional. Mas o que eu poderia fazer, se não conseguia pensar em nada que gostasse de fazer? Isso me frustrava.
Estávamos todos reunidos no refeitório quando passou um dos responsáveis pelo Jornal CE nos entregando os exemplares.
Na capa “Epidemia de fim de namoro – Cuidado, o seu pode ser o próximo!”, a foto da Raquel jogando uma aliança no André e da discussão Scott x Mariana ilustrava.
Podia sentir a respiração da Yasmin mais intensa e descompassada; não era o meu toque à provocar. Mesmo que eu soubesse que ela já não mais os amava, tinha a impressão de que eles ainda mexiam muito com ela.
“O quê?!” Mariana quase gritou, “O que tem a minha discussão com esse idiota a ver com fim de namoro? Enlouqueceram de vez? A Camila que escreveu isso! Cadê ela?! Vou falar com ela agora mesmo!” Mariana levantou e olhou ao redor procurando pela Camila.
“Doida, tem poucas sessões com a psicóloga ou só quer ser expulsa do colégio mesmo?” Sally puxou um dos braços da Mariana para que ela voltasse a se sentar.
“Mas você acha que estou errada? Ela publicou uma mentira!”
“Sabemos, Mari, mas você está muito nervosa. Melhor se acalmar primeiro.” Yasmin.
Mariana bufou, “Então só vou falar com a diretora. A Camila não me consultou pra publicar isso, também não preciso consultá-la para mostrar isso à diretora. Não tentem me impedir.” Mariana saiu com uma expressão severa no rosto.
Não demorou e estava de volta ainda mais irritada.
“Não me deixaram falar com a diretora. Ocupada. Queriam que eu procurasse a psicóloga Elenir. Rá! Já basta ter que vê-la quase todo dia para fingir que está tudo bem entre eu e o Scott. Falando nisso... Tenho que falar com ele. Vocês acreditam que ele fica me provocando durante as sessões? A Elenir não faz nada, deixa ele ficar me ofendendo. Se ele não parar, não quero nem saber, vou revidar. Por que só eu tenho que me esforçar? Viram ele por aí?”
“Logo ali.” Sally apontou para adiante, “Na mesa com o Luan, aqueles dois gatíssimos e piriguetes penduradas neles. Melsenhor! Eles são mesmo totalmente gatos! Como não reparei antes? Vou com você, Mari.”
As duas foram. As outras meninas saíram assim que viram a Mariana e sua cara de poucos amigos.
Sally preferiu ficar em pé; ao lado do rapaz de cabelos escuros e desalinhados, pele pouco morena, sorriso largo e fácil, lábios estreitos como seus olhos castanhos, ombros largos, braços fortes. Sally soube que ele era exatamente o tipo dela, mais um que facilmente quebraria em pedacinhos seu coração. Mas ela não escolheu ficar ao lado dele apenas pela forte atração, ela queria que o Raffael visse, queria deixá-lo com ciúmes, talvez ele se aproximasse como das outras vezes para atrapalhar... Deu o seu melhor sorriso para o rapaz e sentiu-se arder em raiva quando foi completamente ignorada. 
O outro rapaz ao lado percebeu e não segurou uma gargalhada, enquanto a fitava com seus olhos castanhos. Seu cabelo era baixo e em um tom claro de castanho. Com músculos menos ossudos que seu amigo. Um rosto agradável e boa postura. Sally estava sendo atingida pelo seu charme, mesmo que estivesse sendo um total idiota rindo dela daquele jeito, ele parecia gentil de alguma forma... Talvez fossem seus olhos. Ela não sabia dizer. 
De qualquer forma, nesses primeiros segundos a fizeram odiar a ideia de ter ido acompanhar a amiga.
Mariana tentava raciocinar, o que ela nunca conseguia perto daquele garoto que insistia em confrontá-la. 
Scott não admitiria, mas ele simplesmente estava amando tudo aquilo. Ela estava claramente irritada pela notícia do jornal escolar. Enlouquecê-la sempre que a encontrava era o seu novo passatempo preferido. Como lhe fazia bem não mais rastejar por ela, nem mesmo se preocupar em o que ela poderia pensar com qualquer uma de suas ações. Era simplesmente perfeito. Ele ainda tentava negar o quanto queria beijá-la todo instante, ali mesmo na frente de todos, ele não se importaria. Mas ele já sabia como isso terminaria. A garota tinha um gênio do cão. 
“Você precisa parar de me atormentar, Scott. A Elenir vai nos manter em sessões e só Deus sabe o que mais pode acontecer até que nos expulsem. Estou me esforçando de verdade e agradeceria se você fizesse o mesmo. Porque se for mesmo guerra que você quer... Vai se arrepender.” Mariana disse entre os dentes.
Scott levantou-se, pegou a Mariana por um dos braços e a fez andar com ele até um canto menos movimentado, longe dos olhares curiosos.
Sally tentou impedir, mas o rapaz ao seu lado segurou com força o seu pulso e a alertou para não atrapalhar.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

10- Diderot uma vez escreveu...

“Erram tanto o que suspeita demais quanto o que demais confia.”
“É isso mesmo que você quer?” Sally.
“O que eu quero é sair pelo mundo cantando, mas, por hora, preciso esperar.” Talita revirou os olhos. 
“Falo do Jack...”
“Ah... Finalmente consegui o fim que tanto queria. É como se um peso enorme saísse das minhas costas. Estou melhor do que poderia desejar” mentiu tão bem. Ela só queria poder acreditar em suas próprias palavras.
“Ah, prima! Eu fiz uma bagunça doida me metendo, desculpa por isso. Mas pelo menos agora está tudo bem, né?! Fico feliz...” se a Sally tivesse parado por apenas um instante e prestado atenção de verdade na Talita, ela teria percebido que tinha alguma coisa errada. Mas ela não queria ver que a Talita estava mentindo. Sally só queria poder ter a sua prima animada e corajosa de sempre focada em sua música, e o Jack totalmente disponível para si.
Sally estava tão feliz com o seu mundo no lugar novamente que mal se continha. Deu uma batida de leve na porta do quarto do seu amigo e entrou. 
Jack estava, como o de costume, em sua cama com um violão na mão, dedilhando. Sally não reconheceu aquela música, talvez fosse alguma nova de Fallen Angels; não deu importância. Jack colocou o violão de lado assim que viu a Sally se aproximando e sentando-se ao seu lado. Ela queria dizer o quanto estava feliz, mas isso seria tão insensível e era tão egoísta... Uma lágrima desceu pelo seu rosto; era de alívio. Jack a puxou para si e deitaram abraçados como fizeram tantas outras vezes.
Ele sabia que tinha feito o certo. 
Jack adorava a Talita, mas quando a beijava não era justo com ela que ele estivesse apenas pensando em outra ou tentando não pensar. 
Naquele tempo não tive o privilégio de todos esses detalhes da história, mas também não é como seu tivesse precisado.
Com a banda reunida naquela noite era como se nada houvesse acontecido. As coisas estavam exatamente como sempre foram, ou, pelo menos, era no que todos se esforçavam para acreditar.
O mês de agosto passou às pressas com tantas atividades que tínhamos.
A Talita foi conversar com a diretora, a fim de conseguir liberar os integrantes da banda dos clubes e reforços. Tudo o que conseguiu foi um acordo: se todos eles conseguissem um boletim repleto apenas de A por todo o semestre, então ela não poderia contestar contra seus ensaios no semestre seguinte, tendo em vista que essas notas não poderiam mudar. Claro que isso era apenas para que a banda desistisse dessa ideia, mas Talita era mais teimosa do que isso. E não só ela como toda a banda estava determinada a conseguir. Estudavam e estudavam.

Colégio Elite. Quinta-feira. 16/08/2010. 16:15h.
Estávamos na sala de informática. A única em que eu e o Scott Meyer tínhamos em comum.
“Quando vamos finalmente sair desse básicão, Luciana?” Scott perguntou à professora.
“Prometo que essa será a última, Scott. Qualquer coisa para você parar de reclamar” Luciana.
Mariana bufou, “Que abuso! Se está tão incomodado assim, a porta é logo ali.”
Lá vinha mais uma discussão entre os dois; isso sempre se repetia.
“Pois te digo o mesmo. Tenho certeza que ninguém está gostando desse nível de aula, só que ninguém tem coragem de falar.”
“Ah, claro! E você é o nosso herói, devemos te agradecer por ficar atrapalhando a aula o tempo todo com seus comentários completamente dispensáveis.”
“Vocês dois, por favor, podem parar? Vou precisar desligar vocês das minhas aulas? Porque toda quinta-feira é a mesma coisa.” Luciana.
“Não será necessário, Luciana. Tenho certeza que a Duas-caras vai fazer o favor de se calar.” Scott.
“Professora, desculpa... Só acho que esse inconveniente é o único culpado pelo tumultuo nas aulas.” Mariana.
“Não haveria tumultuo se você simplesmente não ficasse me perseguindo... Você precisa superar isso, está ficando realmente irritante.”
“Ah! Seu ego é um absurdo, garoto! Se enxerga! O perseguidor aqui é você! Preciso mesmo te lembrar disso?”
“Ah, por que não faz esse favor, Mariana? Por que não explica para todos o que me fez tão desclassificado para a sua magnífica pessoa? Ou sobre como foi divertido se aproveitar dos sentimentos do Luan para me deixar com ciúmes? Acho que ninguém está à sua altura nesse mundo, não é?! Você é mesmo uma pessoa perfeita! Compartilhe seus sentimentos conosco, Mariana, se é que você sabe o que é isso...”
“Ok, já tivemos o bastante. Saiam os dois, por favor.” Luciana falou inutilmente, já que os dois esqueceram completamente onde estavam.
“Você sabe muito bem que as coisas não foram assim, Scott. Para de distorcer! A única palhaça nisso tudo fui eu. Não conseguiu me enganar por muito tempo... É isso que te aborrece tanto?”
“É... Pobrezinha...”, ironizou, “Você precisa ser mais sincera com você mesma, Mariana. Foi tudo real e você sabe. Se pra você é mais fácil viver no seu mundinho perfeito deixando o Inconveniente de fora, tudo bem... Mas faz o favor de parar de usar a mesma velha desculpa... Eu agradeceria.”
“Que verdade, Scott? Você realmente esperava que eu pudesse acreditar que me amava enquanto o colégio todo podia te ver desfilando com a Kate pra cima e pra baixo? Não sou tão idiota assim...”
“Ah, Kate de novo... Você não se conforma que ela seja uma pessoa maravilhosa, né?”
Mariana o interrompeu, “Já chega, Scott!”.
“Não. Você vai ouvir! Ela acreditou em mim. Uma amiga que... Se ela estivesse aqui eu não estaria discutindo com você. Ela iria me acalmar e me ouvir lamentar sobre você. Sabe o quanto ela me aconselhou pra não desistir de você? Pra te fazer acreditar que mudei? Sabe por que desfilava com ela pelo colégio? Porque a garota com quem eu queria estar simplesmente me disse ‘não’ um milhão de vezes...”
“Imagino o quanto e como ela deve ter te ajudado mantendo a sua boca bem ocupada...”
“Você não está me ouvindo?! Se quiséssemos mais do que amizade eu não precisava esconder isso de ninguém. Não precisava mentir a respeito. E nunca seria tão desprezível ao ponto de correr atrás de você enquanto isso; Kate jamais se prestaria a esse papel. Você é mesmo tão superficial assim? O que falam, o que parece ser é o que determina as coisas para você? Porque se for mesmo isso, a maior idiotice que fiz na vida foi ter algum dia me apaixonado por você.”
Dois guardas da escola entraram na sala e acompanharam a saída de Scott e de Mariana.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

9- Kahlil Gibran uma vez escreveu...

"Como você punirá aqueles cujo remorso já é maior do que os seus crimes?"
Mesmo que aquelas fotos de quando criança de vestido não tivessem sido capazes de me fazer cumprir as vontades do Scott por muito tempo, ele nunca tardava em arrumar novas ameaças... Imagino como não teria sido pior se eu tivesse estudado com ele, naquele tempo.
Ir para os Estados Unidos foi um alívio para mim. Senti muita falta da minha prima e de meus amigos, mas qualquer coisa seria melhor do que ser chantageado pelo Scott.
Fui obrigado a fazer muitas coisas das quais me arrependo profundamente. Espero que haja perdão para tudo o que fiz.
“Eu lamento...”, Scott sussurrou, “Não vou me desculpar. Se eu fosse me desculpar por tudo que fiz com todos, essa vida não seria o suficiente. Não preciso do perdão de vocês”, disse insolente, “Mas não tenho orgulho do que fiz. Não gosto de ver a sua expressão de medo mesmo depois de todos esses anos. Nem de raiva ou dor nos rostos pelos corredores da escola. Odeio quem fui, mas não posso voltar atrás e fazer as coisas diferentes agora, como também não posso fazer com que acreditem na minha mudança; parei de tentar. Não devo satisfações a ninguém pelo que sou ou pelo que faço, tenho certeza que não sou o único imperfeito”, deu uma pequena pausa, “Vamos passar um semestre inteiro dividindo o mesmo quarto. Se você respeitar o meu espaço, vou respeitar o seu. Você não se mete na minha vida e eu não me meto na sua. Você era um bom garoto, Derick, e não acho que isso tenha mudado, então é melhor que fique fora do meu caminho, porque eu nunca fui um bom garoto e, mesmo que agora tenha meus arrependimentos, continuo sendo quem sou. Não confunda as coisas. Era só isso que precisava te dizer”.
Fiquei por um instante encarando aquela figura de costas para mim. Digerindo todas as suas palavras, tentando não imaginar que tudo aquilo era algum tipo de plano perverso. Era ali com ele que eu passaria todo o semestre, não era como se eu pudesse fugir ou algo assim. Se ele quisesse me fazer algum mal, não precisava dizer coisa alguma. Ele pareceu sincero, então, eu acreditaria nele até que me provasse o contrário. Convenci-me.
Eu estava no quarto com dois Scotts: um que me fez muito mal e outro arrependido por isso. Eu precisava tomar ar. Saí do quarto. Saí daquele prédio. Peguei o celular e disquei; eu só precisava ouvir uma voz.
“Oi, Bebê!” Yasmin.
Funcionou. A alegria em sua voz já me fez sorrir “Oi, Princesa! Como você está?”
“Com saudades... Estou terminando de arrumar as minhas coisas, mas ainda falta tanto. Não vou conseguir deixar tudo como quero hoje, pelo visto. Estou contando os segundos para te ver mais tarde, amor.”
“Também, Princesa...”
“Ainda falta muito pra arrumar aí? Queria poder te ajudar...”
“Ah, não se preocupe com isso. Não tenho tanta coisa assim, faltam só umas bobeiras para serem colocadas no lugar.”
“Sortudo!”
“Não vou mais te atrapalhar, só queria mesmo ouvir a sua voz e saber se estava tudo bem.”
“Como se você me atrapalhasse...”
“Se precisar de alguma coisa, só me ligar, ok?”
“Pode deixar, Bebê!”
Já estava anoitecendo quando fui buscar a Yasmin em sua casa. Iríamos todos para a Narciso’s - lanchonete e nosso ponto de encontro preferido – depois, provavelmente, para a Alpínia, a sorveteria do outro lado da rua.
“Flores? Que lindo!” Yasmin comemorou ao ver o buquê que trazia comigo.
“Que bom que gostou...”
“Amei! Qual é o motivo da surpresa?”
“Te ver feliz.”
Ela ainda segurava as flores quando me arrebatou selando nossos lábios.
“Desse jeito vai receber flores o tempo todo.”
Ela soltou uma risada gostosa, “Meu bobo lindo!”
Durante o caminho à Narciso’s, começou a falar, “Ainda não tive oportunidade de te contar como as coisas ficaram com a sua irmã e tudo mais...”
“Ah! Sim...”
“A Sally me contou hoje.”
Sally ouviu quando as portas se bateram pela a casa, indicando que alguém havia chegado, mas preferiu ignorar. No fundo ela sabia que, independente do que tinha sido resolvido entre a Talita e o Jack, não a agradaria; as coisas tinham mudado demais. Tentou ignorar por todo o restante do dia, mas a curiosidade e a preocupação a venceram.
Talita estava na escrivaninha, com fones no ouvido e fingindo fazer anotações. Seu orgulho ferido latejava. Ela se castigava lembrando das palavras de Jack e da raiva em seus olhos assim que soltou seus pulsos e espremeu os ombros dela contra a parede de uma ruazinha qualquer, “Você passou dos limites!”, sua voz era assustadora, “Foi tudo um erro, você não entende?”. Sim, ela entendia, mais do que jamais desejou. Jack a estava machucando, mas Talita sabia que sentiria falta até mesmo daquilo, de sentir sua pele em chamas, de deixar o Jack a ponto de matá-la; não que ele realmente fosse capaz. 
“Eu não quero sair da banda, mas, se isso for um problema pra você, eu saio.” Jack odiaria fazer isso, mas ele se sentia culpado demais, talvez isso amenizasse.
“Não misture as coisas. Eu levo muito à sério a banda, espero que você também. Se isso era tudo o que tinha a me dizer, já vou indo. Preciso arrumar as minhas coisas.” Talita tinha chegado ao seu limite. Era hora de dizer adeus e só Deus sabe o quanto isso doeu.
Ali, em seu quarto, tentava não pensar em como seria ver aqueles olhos azuis que nunca a pertenceram e fingir que não sentia um buraco no peito e uma vontade absurda de estar em seus braços mais uma vez. 
“Tali...” Sally balançou uma mão na frente de seu rosto.
Talita tirou os fones ensurdecedores de seus ouvidos “Prima...”
Era ela. Sempre foi ela. Talita tinha tanta certeza disso. Jack sempre teve olhos apenas para aquela desmiolada de sua prima. Ela podia fazer a Sally enxergar a verdade, sem deixar margens para dúvidas, mas ela não faria isso; de forma alguma.
“Você está bem?” Sally.
“Claro! Por que não estaria? Estou tentando arrumar uma canção, mas já estou tão cansada... Não está dando certo. Acho que vou só me render ao sono.”
“Ah... Daqui a pouco vou dormir também.”
Talita suspirou, sabendo o que a prima queria “Estou bem de verdade, Sally. Eu e Jack como casal não vai rolar. Nós dois não queríamos isso no final das contas. Foi tudo muito bom, mas já deu. Nossa carga horária escolar vai ficar muito puxada esse semestre e isso sim me preocupa.”