quarta-feira, 15 de junho de 2011

28- Charlie Chaplin uma vez escreveu...

“O tempo é o melhor autor; sempre encontra um final perfeito.”
Minhas malas já estavam feitas em casa. Iria morar sozinho em Primavera. Encontrar algum trabalho por lá. Ficar perto da Yasmin.
Encarei mais uma vez a carta na minha mão, na Casa Secreta. Levantei os olhos para o céu e lá estavam as estrelas me arrancando um suspiro profundo. Despedir-me daquele lugar era tudo o que eu não queria ter que fazer tão logo, mas ficar longe da Yasmin eu queria muito menos.
Ela se manteve sendo apenas minha amiga, quando mais precisei e quando tudo o que ela queria era ser muito mais do que apenas a minha amiga. Eu podia fazer o mesmo por ela. Já tinha decidido.
Meus pais não estavam satisfeitos, mas eles sempre gostaram de nos deixar com bastante liberdade para fazer nossas escolhas. Eles eram os melhores.
Fechei os olhos. O aroma da noite e o som das folhas sendo levadas pelo vento cativaram a minha atenção por pouco tempo.
“Cinco filhos.”
“Tudo isso?” perguntei em meio a risos.
“Claro. Quero a casa sempre cheia. Imagina só todos eles lorinhos com esses seus olhos lindos! Dá vontade de ter até mais.”
“Prefiro que tenham os seus olhos e o seu jeitinho.”
Seu sorriso aumentou.
“E onde a gente vai morar? Com tantas crianças não podemos morar em qualquer lugar.”
“Aqui. Em Primavera. Em outro país. Onde você quiser, amor.”
“Então a gente pode fazer que nem a sua família e ter uma casa em todo lugar!”
“Eu só ainda não sei o que fazer da vida... Com essa família enorme vou precisar de um emprego muito bom.”
“Até lá você vai encontrar alguma coisa que goste, bebê, tenho certeza.”
“Eu já me sinto tão feliz e ainda falta tanto pra tudo isso acontecer...”
Ela salpicou beijinhos estalados pelo meu rosto. Depois me encarou, deitada por cima de mim. Perdi o fôlego com aquela imagem, a noite mais linda de todas tinha se tornado a moldura do sorriso do meu amor.
“Você é mesmo de verdade? Ainda acho que se eu fechar os olhos por tempo demais você vai desaparecer.” Ela disse fazendo carinho na minha cabeça.
“Eu não vou pra lugar nenhum sem você.”
“Que bom, porque eu não quero ter que descobrir o que faria sem você.”
Puxei-a e beijei seus lábios. 
Naquele tempo achei que fosse ser impossível amá-la ainda mais. Como também acreditei que nossos sonhos não se tornariam algo tão improvável.
Abri meus olhos e me arrependi assim que o fiz. O vazio se tornou óbvio demais. Fechei meus olhos mais uma vez, prolongando o quanto pudesse aquela despedida.
“Já tem um milhão de chamadas não atendidas no meu celular da galera, Deri. Eles vão surtar se não formos logo pro Narciso’s.”
“Não, não... Ainda não. Vem cá. Eles esperam.” Rolamos pelo chão aos beijos.
“Meu Deus, Derick! Como vamos nos encontrar com eles nesse estado?” ela disse entre beijos. Ela tinha folhas secas por todo cabelo. Riamos como dois bobos.
Eu não podia mais continuar com aquilo. Levantei do chão. Já estava ficando muito tarde e eu não queria chegar de madrugada em Primavera.
Fui para o mesmo lugar onde tínhamos nos encontrado pela primeira vez ali. Olhei para as paredes velhas sem saber quando as veria novamente.
“Oi...”
Estremeci. Exatamente como na primeira vez. O som de sua voz foi tão real.
Virei para finalmente partir. Não era possível. Ela estava ali mesmo, na minha frente. Tão linda como sempre. “Yasmin...”
“Minha mãe precisa cuidar dos negócios da família agora e vai ficar ocupada demais pra mim. Minhas aulas só recomeçam ano que vem. Meus amigos estão todos aqui. Então eu vim.”
“Mas como você me achou aqui?”
Ela se aproximou de mim, sorridente. “Algo incrível aconteceu, Derick. Quando eu cheguei na minha casa aqui e abri a porta eu te vi.”
“Me viu?”
“Isso. Eu também fiquei surpresa. Você falava sobre um ensaio da banda. Depois você sumiu e apareceu de novo. Várias vezes. Tão rápido. Eram lembranças. Lembranças tão confusas e pedaços tão pequenos... Saí de casa um pouco assustada. E vim parar aqui. Vi você lá de baixo, cheguei a pensar que era alguma outra lembrança. Foi tudo tão real... Mesmo que também tudo rápido. Como as memórias que descrevo no meu diário.”
Ela lembrou de alguma coisa. As lágrimas que lutei contra durante toda a noite já estavam descendo pelo meu rosto.
Ela se aproximou mais... mais... e mais. Passou uma mão pelo meu cabelo. Aquilo estava mesmo acontecendo? Se eu acordasse a qualquer momento iria odiar a minha imaginação maldosa.
“Você é mesmo a melhor pessoa que já conheci e duvido muito que possa existir alguém mais bondoso que você. Quando eu li sobre a primeira vez que te vi aqui em Almerim eu entendi perfeitamente o que senti naquele dia. Porque quando eu estava no hospital e te vi novamente pela primeira vez foi a mesma coisa. Eu não precisei desses fragmentos cruéis de tão curtos da minha memória para saber o que sinto por você. Eles só me fizeram ver que eu não tenho motivo algum para fugir disso. Cheguei a conclusão que eu poderia me esquecer de você mil vezes e me apaixonar por você novamente toda vez. Eu acho até que...”
“O quê?”
“Você pode achar precipitado, mas... Eu penso em você quando você não está lá. Fico me perguntando como você está. Esperando que você não esteja com a mesma tristeza que sinto. Tem sido difícil pra mim. Esses pensamentos me alcançam sem eu esperar. E quando você aparece, eu sinto uma paz tão grande. Uma felicidade sem tamanho. Um sorriso que não sai da minha boca, mas quando você vai embora ele vai junto com você. E ainda assim nada disso se compara ao que escrevi que sentia sobre você. Não chega nem perto do que você diz sentir por mim. Se eu disser que te amo, sinto como se estivesse fazendo pouco de tudo o que tivemos. Mas eu sinto essa vontade tão grande de te dizer isso. E agora eu sinto que posso morrer se não te disser, como também sinto que vou morrer logo depois que falar.”
“Você acabou de dizer, Yasmin...” acariciei seu rosto.
“Eu te amo, Derick.”
“Também te amo, Yasmin.” Pela primeira vez o também foi dito por mim e não por ela.
Beijamo-nos. Não, eu não estava sonhando... Mesmo que uma parte de mim acredite que até hoje não fui capaz de acordar desse sonho.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

27- Sthendal uma vez escreveu...

“O amor é uma flor delicada, mas é preciso ter coragem de ir colhê-la à beira de um precipício”
“Só sobre mim?”
“É...” ela disse quase se arrependendo, eu podia perceber pelo tom cada vez mais rosado das maças de seu rosto. “Escrevi todos os dias e só sobre você.”
Vi um brilho escorrendo de seus olhos. Toquei a sua face, para tirar a sua lágrima, e senti o calor nas pontas dos meus dedos formando um frio no meu estômago. Yasmin voltou seus olhos para mim. “Não queria ter perdido todas essas lembranças, Derick. Eu sinto como se te conhecesse tão bem, mesmo antes de encontrar esse diário. Mas por mais que eu me force a lembrar de qualquer coisa que tenhamos vividos juntos eu simplesmente não consigo.” Suas lágrimas começaram a descer com mais velocidade.
“Não, não chore, por favor...” Puxei a Yasmin a envolvendo com os meus braços. Ela encaixava tão bem como sempre. “Ninguém mais do que eu lamenta por isso... Foram os melhores dias de nossas vidas. Mas eu não esqueceria um momento desses sequer, Yasmin. E se você quiser, eu posso contar todos eles pra você tantas e tantas vezes até que você sinta que viveu todos eles. E mais do que isso, se você me der a chance de viver com você novos momentos, farei deles lembranças ainda melhores. Eu te amo tanto...” Sussurrei em seu ouvido, mas no minuto em que ela tremeu se afastando dos meus braços eu me arrependi.
Ultrapassei os limites.
“Como você pode me amar tanto assim? Ainda mais agora, depois de tudo o que aconteceu...”
“Como eu não poderia?”
“Desculpa...”
“Te desculpar pelo quê?”
“Por não poder retribuir os seus sentimentos...”
“Não se desculpe por isso...”


Estávamos todos reunidos na sala da casa da Sally em Primavera. Passamos o dia todo vendo filme e Yasmin passou o dia todo com a mente longe. Suspiros e olhares tristonhos, ela mal se continha, mas acho que fui o único a notar. A sessão de filmes poderia ser facilmente culpada pela tristeza da Yasmin, mas eu a conhecia o suficiente para saber que o motivo era qualquer outro. 
Desde o acidente a Yasmin estava sempre sorrindo... O que mudou?
Ela foi até a cozinha e eu fui atrás.“Não está se sentindo bem, Yasmin?” 
Ela me olhou decidindo entre me dizer a verdade ou apenas confirmar a minha teoria e encerrar a conversa.
“Tem tanta coisa que vivi e não me lembro... Acho que esperam que eu reaja ao que me contam como agi quando passei pela situação, mas... saber o que aconteceu não faz com que eu me sinta da mesma forma que me senti antes. Na verdade, nem sei como me senti antes. Eu imagino, por tudo que vocês me falam, mas ainda assim... Sinto como se vocês me contassem histórias sobre a vida de outra pessoa que não eu. É tão estranho...”
“Você só deve agir como você quer, Yasmin. Não queremos te forçar a nada... Se você está assim por causa do que vivemos juntos...”
Ela me interrompeu. “Não é isso, Derick. Sinto falta da Raquel e do André.”
“Ah...”
“Eu mal consigo me lembrar de namorá-lo. Muito menos da Raquel e ele juntos.” Suspirou. “Sempre gostei muito deles dois, amigos desde sempre. Os melhores. Quando soube o que fizeram fiquei triste, mas não magoada de verdade. Imagino como me senti quando soube pela primeira vez, mas só. Tudo o que sinto agora é uma saudade enorme deles dois. Sei que os nossos pais nos aproximaram porque a nossa amizade teria valor para os negócios deles no futuro, mas nós não éramos amigos por isso. Nossa amizade era de verdade. Por que eles não vieram me ver depois do acidente? As coisas mudaram tanto assim?”
“Não acho que eles viriam, Yasmin...”
“Vocês não me disseram que o André me procurou pouco tempo antes do acidente? Na carta eu falo sobre isso. Por que ele não veio agora? E por que a Raquel parou de tentar?”
“André veio porque a sua mãe o chamou. Não sei se ele teria vindo se não fosse por isso, Yasmin. Ele também tem muitas atividades na escola.”
“Isso não foi desculpa antes, quando ele passou uma semana aqui sendo ignorado por mim.”
“Ele sabe que você passou por muita coisa, talvez apenas queira te dar espaço.”
“Eu não quero espaço dos meus amigos...”
“Vocês não eram mais amigos, Yasmin...”
“Isso é o que eu mais odeio.”
“Porque você não liga pra eles? Fala pra eles isso.”
“Tenho medo de descobrir que as coisas realmente mudaram tanto.”
“Eles não sabem que você sente falta deles. Acho que vão gostar de saber.”
Eu queria impedi-la. Queria que ela se sentisse com relação a eles da mesma forma que ela se sentia antes do acidente. Na verdade, eu queria que ela sentisse por mim o mesmo que antes... Mas o que eu podia fazer que já não estivesse fazendo? 
Ela ligou para o André e para a Raquel. E claro que eles ficaram surpresos e contentes. Eu só consegui sentir um ciúme que nunca senti antes, porque dessa vez eu sabia que o coração da Yasmin não me pertencia. Eu a perderia de vez?
Eles combinaram de sair juntos no outro final de semana. Yasmin me convidou, mas achei que deveria deixá-los sozinhos. 
Lembrei do sonho que tive ainda no hospital, das suas palavras.
“Você acredita que exista um propósito pra todas as coisas, Derick?”
Pensei por um instante.
“Acho que é melhor pensar assim...”
“Queria entender o propósito de algumas delas.”
Porque agora eu me fazia a mesma pergunta. 
Tinha sido apenas esse o meu papel na vida da Yasmin? Tinha sido apenas esse o papel dela na minha vida? E que papel seria esse? Amor e felicidade por alguns meses e fim?
Mas ela estava tão radiante de felicidade mesmo agora. A infelicidade ficou apenas comigo, juntamente com todo o amor. Porque eu sentia que tinha passado a amá-la ainda mais. Que sentido havia nisso tudo? Que propósito? Talvez apenas não houvesse algum.
Culpar a vida, o universo, qualquer força maior não levava a nada. As coisas eram como eram.
Só que por mais que fosse doloroso encarar os fatos e ver o meu amor seguindo para caminhos distantes de mim, eu continuaria ali... com aquela esperança tão ridiculamente pequena, fazendo tudo o que pudesse para que ela fosse feliz. A única coisa que eu realmente desejava àquela altura era que eu ainda pudesse fazê-la feliz.




Nota: Capítulo 25, capítulo 26 e esse são acontecimentos anteriores ao capítulo 24. Caso fique dúvida.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

26- Guimarães Rosa uma vez escreveu...

“É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.”
Todo final de semana eu corria para Primavera junto com a minha família e amigos. Tive que aprender a dividir a Yasmin com todos eles. Mas eu já era grato por ela não estranhar a minha presença e permitir que eu ficasse por perto.
Era sempre doloroso olhar em seus olhos e encarar a verdade repetidas vezes: o que vivemos juntos só pertencia a mim. Eu não consegui um tempo a sós com ela e nem sabia se deveria ser grato por isso ou não. Ela estava viva e parecia feliz como nunca, talvez eu devesse apenas ficar feliz da mesma forma por ela. 
Durante a semana eu recorria a Casa Secreta e fingia estar com a Yasmin ao meu lado. Revivia nossos momentos incansáveis vezes.
O ano já estava quase no fim... O aniversário da Yasmin chegou em novembro.
No seu aniversário os Fallen Angels se apresentaram no ClubMix. Seria a primeira vez em que a Yasmin os ouviria tocar depois do acidente. Não sei como eles conseguiram ensaiar aquela música nova em tão pouco tempo, mas conseguiram. 
Era a primeira vez desde muito tempo em que eu estava a sós com a Yasmin. Claro que uma multidão de pessoas nos cercavam no ClubMix, era quase um absurdo dizer “sozinhos”, mas os nossos amigos estavam uns no palco e outros longe de nossas vistas... Aquele tipo de sozinhos estava bom o suficiente.
Dessa vez nem mesmo a Talita com toda a sua voz incrível poderia me roubar aquele momento. Eu não conseguia desviar meus olhos da Yasmin. Ela parecia um pouco assustada com toda aquela gente circulando perto demais, mas no momento em que a Talita subiu no palco a sua expressão mudou. Fascinada, como todos que se acalmavam ao nosso redor. Ah, eu também estava fascinado, mas o meu motivo estava tão perto de mim que o seu perfume passeando por meus pulmões me trouxe uma dor no peito. E tudo o que eu poderia desejar na vida é que essa dor me perseguisse para sempre.
Talita puxou o microfone. “A primeira vez em que cantei para essa garota meus amigos aqui estavam ocupados demais com as mãos cheias de guloseimas, então como forma de compensá-la estamos todos juntos hoje para cantar para ela novamente pela primeira vez. Ela é mais do que merecedora já que é a inspiração dessa canção e de todas as outras que o meu irmão escreveu depois de conhecê-la. Yasmin, espero que curta. Feliz aniversário!”


Acreditar (Derick Campos)

O céu é testemunha, amor
De todos os beijos que trocamos
De cada vez que eu te disse o quanto te amo
Te amo
Deixe-me te mostrar
Como nossas mãos ficam bem juntas
Como nossos passos querem a mesma direção

Queria que você pudesse se lembrar
Falávamos sobre a eternidade
Porque nada poderia nos separar
Ainda espero acordar
Vendo o seu sorriso brincar com meus lábios
Sentir mais uma vez o seu coração fora de ritmo
Bem... bem pertinho do meu

E acreditar
E acreditar
Acreditar

Os seus olhos tanto me diziam
As palavras que eu amava escutar
E os meus sonhos mais lindos
Não conseguem se aproximar
Dos nossos dias
Juntos em qualquer lugar

Não existe adeus
Nem despedida
Quando tudo o que eu sei me ensina
A como me aproximar mais e mais de você
Você sabe só de olhar
Que eu poderia para sempre te esperar

E acreditar
E acreditar
Acreditar

Amor, só te peço um favor
Você poderia me deixar entrar?
Na sua vida
Nos seus sonhos
No seu amor

E acreditar
E acreditar


Yasmin levantou uma mão sobre seu rosto limpando uma lágrima que descia. Virou-se na minha direção. Encontrou meus olhos só para desviar deixando sua face corar. Ainda sem me encarar começou a falar. “Você escreveu mesmo pra mim?”
Eu queria dizer mais. Esperei tanto pra ter essa oportunidade, mas tudo o que consegui dizer foi “Escrevi...”
“Obrigada...” Ela olhou furtivamente para mim. “Nós nos amávamos mesmo, não é? Eu achei um diário meu esses dias. A data é desse ano. Fiquei feliz em poder descobrir mais sobre tudo o que me aconteceu recentemente, mas...”
“O que tinha de errado?”
Ela balançou a cabeça. “Nada de errado. Mas eu não esperava que eu só falasse de você.”






Nota: Capítulo 25, esse e o 27 são acontecimentos anteriores ao capítulo 24. Caso fique dúvida.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

25- Oscar Wilde uma vez escreveu...

“A verdade jamais é pura e raramente é simples.”
Dinheiro e poder fazem diferença na hora de resolver casos como o sequestro da Yasmin. Foi tudo resolvido na mesma semana. Yasmin ainda estava no hospital quando a notícia chegou.
A senhora que apareceu na pracinha no dia lamentável não era apenas uma velhinha dando um passeio, o que eu deixei de acreditar que fosse no momento em que ela tentou fugir com o envelope pardo na mão.
Uma família - dona de quase toda uma cidade, conhecida por todo o mundo- tão bem sucedida nos negócios não teria chegado tão longe sem deixar um mar de inimigos pelo caminho. O que os Campbell nunca imaginaram era que o dia de acerto de contas chegaria da forma como chegou.
A família Cunha que um dia tinha estado a poucos passos de se tornar tão grande como a Campbell apostou grande nesse sonho. Mas com a pressa, sem os recursos necessários para conseguir isso no tempo que achavam devido, se enrolaram em dívidas – uma atrás da outra. E de um dia para o outro viram toda uma vida trabalhada por gerações ir para as mãos dos Campbell. Eles imploraram por misericórdia, por mais tempo, ajuda... qualquer coisa, menos perder tudo. O mundo dos negócios não sobrevive de misericórdia, como eles já deveriam saber. 
A filha mais nova do casal tinha a saúde muito fraca e dependia de remédios caríssimos. Como consegui-los se ainda estavam lutando para ter o básico para sobreviver? Nesse momento os “amigos” faltaram... A menina ainda resistiu por mais tempo do que imaginaram.
A esposa teria enlouquecido se a depressão não a tivesse guiado até um pulo para os braços da morte logo após perder a filha.
Em tempos assim, às vezes, precisamos culpar alguém ou algo e não a nós mesmos... quem sabe o que a verdade não faria... O senhor Cunha preferiu esse caminho desesperado... o que nunca poderia terminar bem, mas isso ele já sabia. 
Com a mãe de sua falecida esposa e seus dois filhos, eles só precisavam de um plano para retribuírem aos Campbell por ter desencadeado toda a tragédia em suas vidas.
Eles nunca pensaram que realmente teriam todo o patrimônio dos Campbell, mas não era isso que queriam de verdade. E, talvez, se todos eles estivessem apenas seguido o plano teriam tido sucesso, mas o final fala por si.
A senhora deveria apenas ter passado o celular para que a Sandra falasse com o senhor Cunha que a assustaria um pouco mais. Depois a senhora apertaria o botão, de um dispositivo que carregava, e explodiria um trailer perto deles... Dizendo que a Yasmin estava dentro. Só terror. Mas quando a senhora viu a oportunidade de pegar o envelope e fugir não foi capaz de se conter. Dois policiais apareceram e já era tarde demais. Explodiu o trailer, mas não conseguiu se livrar da policia. 
Os sequestradores estavam perto de onde tudo acontecia e temeram. Não estavam esperando que a Sandra pudesse colocar a própria filha em tanto risco levando a polícia. Então largaram a Yasmin em qualquer lugar e fugiram. 
Serem achados pela polícia foi apenas questão de tempo.
Mas o que me deixou realmente sem palavras foi descobrir que o envelope pardo - que deveria ter documentos assinados pela Sandra para dar o que os sequestradores pediram em troca da Yasmin – estava com folhas em branco. Aquela troca já estava fadada ao fracasso desde o princípio. Sandra disse que não era necessário já que a polícia levaria os sequestradores. Mas ainda assim...
Lembro do médico dizendo que era um milagre eu estar vivo, mas milagre mesmo era a Yasmin estar.
Yasmin preferiu voltar para a sua casa em Primavera com sua mãe depois que saiu do hospital. Os médicos falaram que seria bom que ela fosse para lá, já que foi lá onde passou a sua infância e eram essas as memórias que tinha. 
Lá ela precisou ter aulas particulares em casa. E eu ainda preso em Almerim precisei de forças para não largar tudo e ir até a Yasmin. Todo o final de semana eu ia para Primavera e passava o tempo com a minha princesa.
Em uma dessas vezes tive a oportunidade de conversar com a Sandra. Ela parecia outra pessoa. Se a morte de seu marido e o sequestro de sua filha não foram capazes de tirar o pouco caso dos ombros da Sandra, ver as consequências disso tudo conseguiu. Ela ainda ficava perdida em como se comportar, como agir. Mas me deixava menos preocupado saber que ela estava se esforçando para cuidar da Yasmin com... amor.
Foi quando perguntei a Sandra. “O que você fez com a Yasmin para que ela te odiasse tanto?” Além do fato de você ter agido como se não tivesse um coração.
Ela me levou até o porão e me mostrou um quartinho medonho e pequeno. “O que é isso?”
“Yasmin sempre foi cheia de vontades. Era difícil fazê-la me obedecer apenas com ordens. Então eu fiz esse quartinho... Sempre que ela me desobedecia eu a trancava aí dentro. Ela ficava no escuro, com fome, com sede, sem o menor conforto... até que me implorasse para sair prometendo me obedecer. E assim ela foi crescendo até que nos primeiros anos da adolescência que é quando os pais mais reclamam de seus filhos eu não tinha nada para reclamar da Yasmin. Eu decidia tudo por ela e ela cumpria as minhas vontades sem reclamar.”
Eu observava o quartinho em que a Yasmin ficava, imaginando o tipo de terror que ela passou lá dentro. Que mãe faria isso?
“Tiveram vezes em que fui chamada à escola, porque a Yasmin tinha desmaiado. Fraqueza. Muito tempo sem comer apenas porque eu tinha dito a ela que ela precisava emagrecer. Ela me obedecia sem limites e eu achava que estava fazendo o melhor para o futuro dela fazendo as suas escolhas... No ensino médio tudo mudou. Ela me desobedecia, me enfrentava. Eu insistia e ameaçava, mas era inútil. Não tinha mais forças para trancá-la no quartinho e ela sabia disso. No meio do ano passado ela saiu de casa.”
“O pai dela não sabia o que você fazia? Ninguém via isso? Ninguém fazia nada?”
“Vítor sempre foi completamente apaixonado por mim, Derick. Acha que ele teria acreditado? Talvez ele suspeitasse em algum momento, mas tratou de afastar esses pensamentos.”
“Como você...”
“Eu sei, Derick. Eu... lamento tanto. Mas agora eu vejo tudo isso e tenho uma nova chance de não perder a minha filha novamente. Nunca mais vou fazer isso com ela... Não precisa se preocupara, Derick.”
“É claro que me preocupo, Sandra. Não faz sentido. Você precisa se tratar.”
“Tenho tido consultas regulares com o mesmo psiquiatra da Yasmin.”
“Se eu souber que você...” Ameacei.
“Se a Yasmin já não tivesse passado por tanto...” Lamentei.
“A única coisa que ela deveria ter esquecido era você, Sandra.”





Nota: Esse capítulo, o 26 e o 27 são acontecimentos anteriores ao capítulo 24. Caso fique dúvida.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

24- Victor Hugo uma vez escreveu...

“Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos.”
Estava na Casa Secreta, lendo pela milésima vez a carta que os policias me entregaram. Disseram que encontraram com a Yasmin onde os sequestradores a deixaram. A data era do dia em que teríamos nos encontrado, quando foi sequestrada.

Derick, estou tão arrependida... 
Queria ser boa com as palavras como você. Estou tentando há dias escrever o que sinto, mas as palavras parecem sempre erradas. Essa é a minha última tentativa. Agora o problema é te entregar. Não tenho coragem...
Derick, você é o meu sol. Tudo na minha vida gira ao seu redor. Você é a pessoa mais bondosa que já conheci na minha vida e nunca te disse o que penso sobre você. Eu estava caindo num caminho perigoso quando você apareceu na minha vida ano passado. Em todo canto só achava mentira, não sabia mais em quem confiar... Na verdade, preferia não confiar. Mas você, amor... Ah! Você é assim tão puro... Você vê o mundo com as cores mais lindas, onde todos têm bons corações e salvação. Um mundo que tenho me encantando cada dia que conheço mais através de você. 
O que mais temo na vida é te perder... E isso é tão patético, porque eu vejo nos seus olhos que nunca te perderei. Mas temo mesmo assim. Tenho tido esses sonhos em que acordo sozinha e a minha única tristeza é que estar sozinha é não ter você comigo, pouco me importa o resto do mundo. Temo um dia acordar assim... Sem saber mais o que são os seus beijos, os seus abraços e dizer adeus a tudo o que vivemos juntos. 
Meu pai é um amor de pessoa. O único erro que ele cometeu foi ter se apaixonado pela Sandra. Todos os dias ela cuidou de matar um pouco o meu pai – tirando seus sorrisos, sua alegria. O pior é que ela faz isso tão bem que ele sequer nota. Sei que ela é o mundo do meu pai. Mas também sei o quanto ele me ama e o quanto o amo. Como me arrependo de não ter passado mais tempo com ele. Sempre tinha alguma coisa. E sinto que agora é tão tarde. Meu orgulho me faz passar pouco tempo com ele, porque isso também quer dizer passar tempo com a Sandra. Ele me perdoa por isso, eu sei, mas será que eu vou algum dia conseguir me perdoar?
Eu odeio a Sandra com a minha alma. Tudo o que odeio na minha vida devo agradecer a ela. Tudo o que ela fez... Como eu poderia entender? Perdoar? Ela nem se arrepende. Não ama nada nem ninguém, só a porcaria da fortuna que meu pai fez. Mas parece que isso nunca é o suficiente... Ela destrói tudo o que se aproxima dela. Essa é a Sandra.
Quando soube que meu paizinho foi parar no hospital... E todo o tempo que ainda não passamos juntos? Não podia terminar assim... 
Uma dor tão grande invadia o meu peito toda vez que eu via você querendo que eu me aproximasse da Sandra, Derick. Como eu posso te explicar tudo o que ela me fez? Eu queria que você apenas entendesse isso sem que eu precisasse explicar... Você tem um coração tão bom que simplesmente não conseguia. Mesmo vendo dentro dos meus olhos o quanto a desprezo, isso não fazia sentido pra você. Eu sei. Eu te conheço, amor.
Meu pai estava morrendo, não importava o quanto dissessem que iria ter alta no dia seguinte. Ele estava tão acabado. Tão cansado... Não sei quanto tempo ainda lhe resta. E a Sandra agindo como se não se importasse. Aposto que as malditas lágrimas pelo telefone eram falsas. Ela não tem sentimentos. Cansei de tentar encontrar algum nela.
Entenda, eu sabia que você iria para a minha casa com a Sandra, mas odiei isso. O que ela tinha te dito? Te feito? O que você estava pensando depois? E você apareceu no dia seguinte com aquela cara de fascinado. Era ela. Ódio ou amor, ela não desperta sentimentos intermediários. Aquela sua cara de... Sei que é horrível, mas eu preferia ter visto você infeliz depois de ter estado com ela. Aquilo me doeu tanto. Você sabe o que ela é pra mim e ainda assim se deixou ser enganado. Eu não queria te ver naquela hora. Meu pai estava com os dias contados e eu queria me concentrar apenas nele.
Depois o André veio visitar o meu pai. Soube na hora que era armação da Sandra. O André é tão digno de pena. Combinei com ele que se ele me deixasse em paz com o meu pai por aqueles dias que eu o perdoaria. Na volta, ele quis uma prova e dei quando compartilhei com ele o mesmo táxi. A maior parte da viagem foi um silêncio até que ele começou a tentar conversar comigo. Então começamos a falar de quando éramos crianças, das bobeiras que fazíamos. Foi um tempo bom, Derick, quase tinha me esquecido. Fiquei surpresa em ter aquela certeza de que não sentia mais nada por ele. Nada mesmo. Amor se foi há tempos, mas a magoa e a raiva ainda estavam lá. Então descobri que não sentia mais nada disso. Foi tão maravilhoso. Eu conseguia rir com ele. Nunca pensei. 
Não esperava que você ou que os nossos amigos estivessem me esperando chegar. Afinal, não disse quando voltaria a ninguém. Mas eles estavam todos lá quando cheguei e fiquei grata por ter amigos bons assim. Mas não te vi. Disseram que você estava lá fora me esperando pra me fazer uma surpresa. Ninguém sabia o que tinha acontecido pra você sumir, exceto eu. Você me viu com ele. Primeiro me odiei por ter estado com o André, por ter te magoado. Depois senti um pouco de raiva. Desde quando você tinha se tornado superficial? Você me conhece melhor do que qualquer um e ainda assim realmente acreditou que eu poderia estar com o André porque o amasse ou algo assim? Mais uma vez culpei a Sandra e qualquer coisa que ela tenha te dito... Porque o meu amor nunca teria me julgado dessa forma por si só. Não poderia.
Quando fomos conversar no dia seguinte eu fui horrível. Arrependi-me depois por aquilo, mas já era tarde. Você não me procurou mais. E eu com tanto medo que você dissesse que queria terminar tudo, porque eu estava agindo feito uma louca. Qualquer coisa, menos te perder. Atendi agora o celular pensando que era a Sally, quando ouvi a sua voz. Entrei em desespero. Você iria terminar tudo, eu só pensava nisso. Tentei fugir, mas você continuou insistindo... Eu não podia permanecer sendo tão infantil. Se é mesmo isso que você quer, vou fazer o possível para receber o seu perdão. Até mesmo escrever tanto assim, contar tanto o que sinto. Sinto-me nua de uma forma ainda mais constrangedora do que a física. 
Talvez você tenha percebido que não sou tão maravilhosa como você costumava pensar. Talvez tenha se dado conta que nunca te farei tão feliz quanto você merece. Talvez tenha se cansado de tudo isso. E se você estiver 100% certo de que não quer mais nada comigo mesmo, não vou te perturbar com meus sentimentos. Mas se houver alguma dúvida que seja, deixe-me tentar mais uma vez. Farei o possível para ser a pessoa incrível que você vê em mim. E todos os dias da minha vida serão para te fazer feliz. Por favor, diga que ainda há uma esperança.
Derick, eu te amo. Soube que isso seria pra sempre quando te vi pela primeira vez na Casa Secreta... Quando você apareceu na minha vida. O meu milagre.


Parecia que uma vida tinha passado desde que saí do hospital. Mesmo assim continuava a sentir uma lágrima descendo pelo meu rosto toda vez que lia aquela carta.
Estava me despedindo de Almerim, da Casa Secreta, não daquelas memórias. Isso jamais.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

23- Elias Canetti uma vez escreveu...

“Tudo aquilo que esquecemos pede ajuda em sonhos.”
Assim que acordei vi uma das enfermeiras, que apareceram antes com o doutor, ajeitando o lençol que me cobria.
“Que bom que você acordou, Derick.”
“Você tem alguma notícia sobre a Yasmin Campbell?” foram as minhas primeiras palavras depois do sonho que tive. O gosto doce de seus lábios ainda parecia real na minha boca.
“Você já acorda agitado... Não tenho nenhuma novidade, Derick.”
“Ela está bem?”
“Vai ficar...”
“Ela está mesmo aqui? Neste hospital?”
“Ela está sim, Derick. No andar de cima, quarto 4. Temos médicos muito bons cuidando dela. Você não precisa ficar tão ansioso.”
“E a minha família; ainda estão aqui?”
“Não. O horário de visitas já foi encerrado. Mas a sua mãe ficou. Ela só te deixou um minuto para ir comer. Você também precisa se alimentar. Vou buscar alguma coisa pra você e já volto.”
Andar de cima, quarto 4. Ninguém por perto. Era tudo o que eu precisava saber.
Puxei a agulha do meu braço que me ligava ao soro. Precisei de mais tempo do que quis sentado tentando me equilibrar. O primeiro passo me avisou que eu não deveria ter me levantado. Pensei que a medicação fizesse toda a dor ir embora.
Foi mais fácil do que pensei chegar até o seu quarto. Não precisei me esconder de ninguém. Eram tantos fios e aparelhos. Seu rosto era a única parte de seu corpo que pude ver e estava inchado e muito machucado. Minha Yasmin... O que fizeram com ela?
Desviei o olhar e senti as lágrimas descendo.
Ouvi um gemido abafado. Voltei a olhar para ela. Seus olhos estavam abertos.
“Yasmin, meu amor...” toquei seu rosto, mas ela se encolheu.
“Desculpa... Você deve estar sentindo dores.”
Ouvi passos no corredor.
“Não posso ficar aqui por mais tempo, amor. Só precisava te ver. Como esperei por esse momento...”
“Quem é você?”
A porta se abriu.
“Derick, amor... Você ainda deve estar sonolenta.”
“Ei! O que você está fazendo aqui?!” não me virei para ver quem iria me tirar de perto do meu amor.
“Que lugar é esse?” Yasmin perguntava com dificuldade, confusa.
Mãos me alcançaram.
“Você está no hospital, meu amor. Vai ficar tudo bem.”
Cada vez mais distante da Yasmin. A mulher continuava dizendo alguma coisa. Qualquer coisa que eu nunca poderia ouvir já que a minha atenção estava toda concentrada na Yasmin.
Quando eu poderia abraçá-la novamente?
Eu tinha a leve consciência de que a mulher que me tirou do quarto continuou falando por todo o caminho e enquanto me colocava de volta na cama. Minha mãe também me disse alguma coisa. Lembro do homem alto parado do lado de fora do quarto. Mas tudo em que conseguia pensar voltava e voltava para a Yasmin. Eu queria poder dormir e acordar só quando pudesse estar com ela novamente. Qualquer coisa que fizesse as horas pularem mais rapidamente.
Nenhum sonho. Nenhuma lembrança. Ela foi o meu último pensamento antes de dormir e o primeiro a acordar, como sempre, mas dessa vez isso me trouxe uma felicidade diferente.
Minha mãe já estava acordada ao lado da minha cama. A expressão em seu rosto era profunda, aflita.
“Bom dia, filho.”
“Bom dia, mãe. Em quanto tempo vamos poder sair daqui?”
“Já estão prontos para te darem alta, só querem fazer mais uns exames para terem certeza de que não estão deixando nada para trás. Você dormiu bastante, fiquei preocupada, mas eles disseram que não tem nada de incomum por tudo o que você passou.”
“E a Yasmin?”
Ela tentou disfarçar o quanto a pergunta a deixou tensa.
“O que tem ela?”
“Ela também só precisa de mais exames? Acho que ela pode repousar lá em casa, né?”
“Filho...”
“Não acho que seria bom ela ir pra casa dela ainda, mãe. Tenho certeza de que ela prefere ir lá pra casa.”
“Não é isso, filho.”
“O que, então? A Sandra? Ela não vai se opor a isso...”
“Não sei como te dizer...”
“Alguma coisa aconteceu com a Sandra? Não a vi no quarto com a Yasmin.”
“Ela estava comigo naquela hora. Sandra está bem.” Não pareceu que estivesse mesmo bem, mas não era isso que preocupava a minha mãe.
“Então não entendo... O que foi, mãe?”
“É sobre a Yasmin.”
O que tinha a Yasmin? Não consegui fazer minha voz sair.
Minha mãe inalou ar profundamente. “Ela foi encontrada num beco perto do trailer que explodiu. Estava inconsciente e muito machucada... Quando você foi ver a Yasmin naquele dia...”
“Naquele dia? Não foi ontem?!”
“Você esteve dormindo por três dias, filho. Às vezes, você abria os olhos e dizia alguma coisa, mas logo voltava a dormir.”
“Não me lembro.”
Ela passou a mão pelo meu rosto. “E sobre a Yasmin...”
“Ela não conseguia sequer se lembrar de seu próprio nome, mas os médicos disseram que isso poderia acontecer já que...” ela deu uma pausa procurando uma palavra, “Ela veio muito ferida, filho. Mas isso é, na maioria das vezes, temporário. Não deveria passar de vinte e quatro horas. Só que não passou. Ela consegue se lembrar de sua infância, vagamente, mas é tudo.”
“Eles sabem quanto tempo vai levar até que ela se recorde de tudo novamente?”
“Filho... Ainda estão fazendo testes e exames para descobrir a extensão da amnésia. Mas nos exames já feitos e com o conhecimento que eles têm no assunto... não acham que ela consiga recuperar a memória.”
“Mas ainda não têm certeza. E também a Yasmin pode ser um caso especial... Ela não...”

quarta-feira, 1 de junho de 2011

22- Mário Quintana uma vez escreveu...

“Tão bom morrer de amor e continuar vivendo.”
Milagre... ele disse. Eu estava vivo, mas por que a Yasmin não veio me ver? Ela ainda estava com os sequestradores? Não... Porque se ela estivesse, então...
Senti um tremor involuntário.
“Eu sei que é muita coisa pra digerir agora, mas você não precisa se forçar. Descanse, é o que você precisa.”
“Por que você está evitando me falar da Yasmin?”
Sua testa enrugou.
“Ela...” Não tive coragem de concluir a minha pergunta.
“Não queria te falar sobre isso agora. A Yasmin veio há pouco para cá. Ela está mais ferida do que você está. Ainda estamos analisando seu estado completo. É muito cedo para dizer qualquer coisa. Tente dormir agora, por favor. Se precisar de alguma coisa é só apertar esse botão vermelho na sua cama, ok? Vou te deixar sozinho.”
Não apareceu mais ninguém na sala.
Yasmin estava viva e a salvo! Aquilo deveria ter me deixado tão feliz quanto imaginei que ficaria quando ela voltasse para mim, mas se estava tudo bem assim... por qual razão o doutor teria tentado não me falar sobre isso? Ele tinha acabado de me dizer que um homem morreu. O que poderia ser pior? Por que minha família também esconderia?
Queria não sentir minhas pálpebras tão insistentes em me fazer dormir. Queria respostas, mas talvez eu tivesse apenas que esperar... ainda mais.

Senti um toque na minha mão. 
“Derick? Acorda, Derick.” Meu corpo inteiro se arrepiou de prazer com aquela voz. Só ela podia fazer isso. Como senti falta de ouvir a voz da minha princesa.
Ela sorria na minha frente, puxando o lençol de cima de mim. “Vem, vamos logo. Não temos muito tempo.”
Ela estava deslumbrante com um vestido acima o joelho florido nas cores rosa e lilás. Ela segurou na minha mão, guiando-me até a porta.
“Podemos sair?”
“O que quisermos.”
Ela abriu a porta, mas não era um corredor branco de hospital que tinha do outro lado. Era a Casa Secreta coberta por estrelas. Atravessamos a porta, que sumiu no instante em que se fechou.
“Isso é morrer?”
Ela me disparou um sorriso. “Não, bebê. Isso é sonhar.”
Então eu estava sonhando...
Sentamos no chão empoeirado, cheio de folhas secas.
“Lembra de todas as vezes que estivemos aqui?” ela me perguntou encarando o céu.
“Cada uma.”
Yasmin inspirou ar, satisfeita.
“Sabe, eu nunca fui tão feliz. Deitada aqui, sobre esse céu sempre tão estrelado e com você ao meu lado. Você me disse tantas coisas bonitas...”
Puxei-a para mais perto de mim. “Senti tanto a sua falta...”
“Também senti a sua, amor.”
“Tenho sonhado bastante com você, sabia? Lembranças de nós dois juntos têm vindo o tempo todo.”
Seu suspiro soou triste dessa vez.
“O que foi, amor?”
“Você acredita que exista um propósito pra todas as coisas, Derick?”
Pensei por um instante.
“Acho que é melhor pensar assim...”
“Queria entender o propósito de algumas delas.”
“Quais?”
“Não importa mais ficar pensando nisso.” Ela disse afundando a sua cabeça no meu ombro.
“Você está bem, amor?”
“Só não queria perder tudo isso...”
“Perder o quê?”
“Você lembra quando estivemos aqui pela primeira vez?” ela mudou de assunto rindo.
“Sonhei com isso essa semana.”
“Eu tinha saído do baile que nem uma louca sem rumo. Aquele salto alto já estava me matando e mesmo assim eu não parei de andar. Parece que eu estava adivinhando que te encontraria aqui.”
Beijei o topo de sua cabeça. “Foi a melhor coisa que me aconteceu. Acho que os céus viram que eu estava mesmo precisando de você, minha princesa.”
“Vê... Você nunca se cansa de me dizer essas coisas lindas.”
“Quer que eu canse?” Brinquei.
“Faz tempo desde a última vez que estive com a sua família. Queria poder estar com eles novamente. Eles são sempre tão alegres... Contagia.”
“É... Eles são uns bagunceiros mesmo. Assim que voltarmos, podemos visitá-los. Tenho certeza que eles vão amar.”
“Ele já se foi, não é, Derick?”
Ela falava de seu pai, não precisei perguntar.
“Lamento, Min...”
“Queria que ele nunca tivesse que ir. É tão injusto.”
Abracei minha princesa com mais força.
“Será que tudo o que é bom tem um fim, Derick? Isso me assusta...”
“Você sabe que eu nunca vou deixar te amar, não sabe, Yasmin?”
“Eu penso em te perguntar isso, às vezes, mas sempre que encontro os seus olhos eles ficam me repetindo o que você acabou de me dizer.”
“E vai ser pra sempre assim.”
“Você esqueceria tudo isso? Todos os momentos que tivemos juntos? Todo o nosso amor?”
“Claro que não, meu amor. Eu não poderia nem quero.”
“Tudo bem se você não puder me amar pra sempre, Derick.”
“Não...”
“Escuta. Falo sério. O que nós tivemos foi puro e lindo, mas... Tudo bem se tudo isso um dia ficar nas suas memórias menos visitadas.”
“Não, Yasmin... Eu te amo.”
“Precisava ouvir isso mais uma vez... Também te amo, Derick. Só lamento ter que ir.”
“Ir? Pra onde você está indo?” 
Ela me beijou tão intensamente como sempre.