quarta-feira, 15 de junho de 2011

28- Charlie Chaplin uma vez escreveu...

“O tempo é o melhor autor; sempre encontra um final perfeito.”
Minhas malas já estavam feitas em casa. Iria morar sozinho em Primavera. Encontrar algum trabalho por lá. Ficar perto da Yasmin.
Encarei mais uma vez a carta na minha mão, na Casa Secreta. Levantei os olhos para o céu e lá estavam as estrelas me arrancando um suspiro profundo. Despedir-me daquele lugar era tudo o que eu não queria ter que fazer tão logo, mas ficar longe da Yasmin eu queria muito menos.
Ela se manteve sendo apenas minha amiga, quando mais precisei e quando tudo o que ela queria era ser muito mais do que apenas a minha amiga. Eu podia fazer o mesmo por ela. Já tinha decidido.
Meus pais não estavam satisfeitos, mas eles sempre gostaram de nos deixar com bastante liberdade para fazer nossas escolhas. Eles eram os melhores.
Fechei os olhos. O aroma da noite e o som das folhas sendo levadas pelo vento cativaram a minha atenção por pouco tempo.
“Cinco filhos.”
“Tudo isso?” perguntei em meio a risos.
“Claro. Quero a casa sempre cheia. Imagina só todos eles lorinhos com esses seus olhos lindos! Dá vontade de ter até mais.”
“Prefiro que tenham os seus olhos e o seu jeitinho.”
Seu sorriso aumentou.
“E onde a gente vai morar? Com tantas crianças não podemos morar em qualquer lugar.”
“Aqui. Em Primavera. Em outro país. Onde você quiser, amor.”
“Então a gente pode fazer que nem a sua família e ter uma casa em todo lugar!”
“Eu só ainda não sei o que fazer da vida... Com essa família enorme vou precisar de um emprego muito bom.”
“Até lá você vai encontrar alguma coisa que goste, bebê, tenho certeza.”
“Eu já me sinto tão feliz e ainda falta tanto pra tudo isso acontecer...”
Ela salpicou beijinhos estalados pelo meu rosto. Depois me encarou, deitada por cima de mim. Perdi o fôlego com aquela imagem, a noite mais linda de todas tinha se tornado a moldura do sorriso do meu amor.
“Você é mesmo de verdade? Ainda acho que se eu fechar os olhos por tempo demais você vai desaparecer.” Ela disse fazendo carinho na minha cabeça.
“Eu não vou pra lugar nenhum sem você.”
“Que bom, porque eu não quero ter que descobrir o que faria sem você.”
Puxei-a e beijei seus lábios. 
Naquele tempo achei que fosse ser impossível amá-la ainda mais. Como também acreditei que nossos sonhos não se tornariam algo tão improvável.
Abri meus olhos e me arrependi assim que o fiz. O vazio se tornou óbvio demais. Fechei meus olhos mais uma vez, prolongando o quanto pudesse aquela despedida.
“Já tem um milhão de chamadas não atendidas no meu celular da galera, Deri. Eles vão surtar se não formos logo pro Narciso’s.”
“Não, não... Ainda não. Vem cá. Eles esperam.” Rolamos pelo chão aos beijos.
“Meu Deus, Derick! Como vamos nos encontrar com eles nesse estado?” ela disse entre beijos. Ela tinha folhas secas por todo cabelo. Riamos como dois bobos.
Eu não podia mais continuar com aquilo. Levantei do chão. Já estava ficando muito tarde e eu não queria chegar de madrugada em Primavera.
Fui para o mesmo lugar onde tínhamos nos encontrado pela primeira vez ali. Olhei para as paredes velhas sem saber quando as veria novamente.
“Oi...”
Estremeci. Exatamente como na primeira vez. O som de sua voz foi tão real.
Virei para finalmente partir. Não era possível. Ela estava ali mesmo, na minha frente. Tão linda como sempre. “Yasmin...”
“Minha mãe precisa cuidar dos negócios da família agora e vai ficar ocupada demais pra mim. Minhas aulas só recomeçam ano que vem. Meus amigos estão todos aqui. Então eu vim.”
“Mas como você me achou aqui?”
Ela se aproximou de mim, sorridente. “Algo incrível aconteceu, Derick. Quando eu cheguei na minha casa aqui e abri a porta eu te vi.”
“Me viu?”
“Isso. Eu também fiquei surpresa. Você falava sobre um ensaio da banda. Depois você sumiu e apareceu de novo. Várias vezes. Tão rápido. Eram lembranças. Lembranças tão confusas e pedaços tão pequenos... Saí de casa um pouco assustada. E vim parar aqui. Vi você lá de baixo, cheguei a pensar que era alguma outra lembrança. Foi tudo tão real... Mesmo que também tudo rápido. Como as memórias que descrevo no meu diário.”
Ela lembrou de alguma coisa. As lágrimas que lutei contra durante toda a noite já estavam descendo pelo meu rosto.
Ela se aproximou mais... mais... e mais. Passou uma mão pelo meu cabelo. Aquilo estava mesmo acontecendo? Se eu acordasse a qualquer momento iria odiar a minha imaginação maldosa.
“Você é mesmo a melhor pessoa que já conheci e duvido muito que possa existir alguém mais bondoso que você. Quando eu li sobre a primeira vez que te vi aqui em Almerim eu entendi perfeitamente o que senti naquele dia. Porque quando eu estava no hospital e te vi novamente pela primeira vez foi a mesma coisa. Eu não precisei desses fragmentos cruéis de tão curtos da minha memória para saber o que sinto por você. Eles só me fizeram ver que eu não tenho motivo algum para fugir disso. Cheguei a conclusão que eu poderia me esquecer de você mil vezes e me apaixonar por você novamente toda vez. Eu acho até que...”
“O quê?”
“Você pode achar precipitado, mas... Eu penso em você quando você não está lá. Fico me perguntando como você está. Esperando que você não esteja com a mesma tristeza que sinto. Tem sido difícil pra mim. Esses pensamentos me alcançam sem eu esperar. E quando você aparece, eu sinto uma paz tão grande. Uma felicidade sem tamanho. Um sorriso que não sai da minha boca, mas quando você vai embora ele vai junto com você. E ainda assim nada disso se compara ao que escrevi que sentia sobre você. Não chega nem perto do que você diz sentir por mim. Se eu disser que te amo, sinto como se estivesse fazendo pouco de tudo o que tivemos. Mas eu sinto essa vontade tão grande de te dizer isso. E agora eu sinto que posso morrer se não te disser, como também sinto que vou morrer logo depois que falar.”
“Você acabou de dizer, Yasmin...” acariciei seu rosto.
“Eu te amo, Derick.”
“Também te amo, Yasmin.” Pela primeira vez o também foi dito por mim e não por ela.
Beijamo-nos. Não, eu não estava sonhando... Mesmo que uma parte de mim acredite que até hoje não fui capaz de acordar desse sonho.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

27- Sthendal uma vez escreveu...

“O amor é uma flor delicada, mas é preciso ter coragem de ir colhê-la à beira de um precipício”
“Só sobre mim?”
“É...” ela disse quase se arrependendo, eu podia perceber pelo tom cada vez mais rosado das maças de seu rosto. “Escrevi todos os dias e só sobre você.”
Vi um brilho escorrendo de seus olhos. Toquei a sua face, para tirar a sua lágrima, e senti o calor nas pontas dos meus dedos formando um frio no meu estômago. Yasmin voltou seus olhos para mim. “Não queria ter perdido todas essas lembranças, Derick. Eu sinto como se te conhecesse tão bem, mesmo antes de encontrar esse diário. Mas por mais que eu me force a lembrar de qualquer coisa que tenhamos vividos juntos eu simplesmente não consigo.” Suas lágrimas começaram a descer com mais velocidade.
“Não, não chore, por favor...” Puxei a Yasmin a envolvendo com os meus braços. Ela encaixava tão bem como sempre. “Ninguém mais do que eu lamenta por isso... Foram os melhores dias de nossas vidas. Mas eu não esqueceria um momento desses sequer, Yasmin. E se você quiser, eu posso contar todos eles pra você tantas e tantas vezes até que você sinta que viveu todos eles. E mais do que isso, se você me der a chance de viver com você novos momentos, farei deles lembranças ainda melhores. Eu te amo tanto...” Sussurrei em seu ouvido, mas no minuto em que ela tremeu se afastando dos meus braços eu me arrependi.
Ultrapassei os limites.
“Como você pode me amar tanto assim? Ainda mais agora, depois de tudo o que aconteceu...”
“Como eu não poderia?”
“Desculpa...”
“Te desculpar pelo quê?”
“Por não poder retribuir os seus sentimentos...”
“Não se desculpe por isso...”


Estávamos todos reunidos na sala da casa da Sally em Primavera. Passamos o dia todo vendo filme e Yasmin passou o dia todo com a mente longe. Suspiros e olhares tristonhos, ela mal se continha, mas acho que fui o único a notar. A sessão de filmes poderia ser facilmente culpada pela tristeza da Yasmin, mas eu a conhecia o suficiente para saber que o motivo era qualquer outro. 
Desde o acidente a Yasmin estava sempre sorrindo... O que mudou?
Ela foi até a cozinha e eu fui atrás.“Não está se sentindo bem, Yasmin?” 
Ela me olhou decidindo entre me dizer a verdade ou apenas confirmar a minha teoria e encerrar a conversa.
“Tem tanta coisa que vivi e não me lembro... Acho que esperam que eu reaja ao que me contam como agi quando passei pela situação, mas... saber o que aconteceu não faz com que eu me sinta da mesma forma que me senti antes. Na verdade, nem sei como me senti antes. Eu imagino, por tudo que vocês me falam, mas ainda assim... Sinto como se vocês me contassem histórias sobre a vida de outra pessoa que não eu. É tão estranho...”
“Você só deve agir como você quer, Yasmin. Não queremos te forçar a nada... Se você está assim por causa do que vivemos juntos...”
Ela me interrompeu. “Não é isso, Derick. Sinto falta da Raquel e do André.”
“Ah...”
“Eu mal consigo me lembrar de namorá-lo. Muito menos da Raquel e ele juntos.” Suspirou. “Sempre gostei muito deles dois, amigos desde sempre. Os melhores. Quando soube o que fizeram fiquei triste, mas não magoada de verdade. Imagino como me senti quando soube pela primeira vez, mas só. Tudo o que sinto agora é uma saudade enorme deles dois. Sei que os nossos pais nos aproximaram porque a nossa amizade teria valor para os negócios deles no futuro, mas nós não éramos amigos por isso. Nossa amizade era de verdade. Por que eles não vieram me ver depois do acidente? As coisas mudaram tanto assim?”
“Não acho que eles viriam, Yasmin...”
“Vocês não me disseram que o André me procurou pouco tempo antes do acidente? Na carta eu falo sobre isso. Por que ele não veio agora? E por que a Raquel parou de tentar?”
“André veio porque a sua mãe o chamou. Não sei se ele teria vindo se não fosse por isso, Yasmin. Ele também tem muitas atividades na escola.”
“Isso não foi desculpa antes, quando ele passou uma semana aqui sendo ignorado por mim.”
“Ele sabe que você passou por muita coisa, talvez apenas queira te dar espaço.”
“Eu não quero espaço dos meus amigos...”
“Vocês não eram mais amigos, Yasmin...”
“Isso é o que eu mais odeio.”
“Porque você não liga pra eles? Fala pra eles isso.”
“Tenho medo de descobrir que as coisas realmente mudaram tanto.”
“Eles não sabem que você sente falta deles. Acho que vão gostar de saber.”
Eu queria impedi-la. Queria que ela se sentisse com relação a eles da mesma forma que ela se sentia antes do acidente. Na verdade, eu queria que ela sentisse por mim o mesmo que antes... Mas o que eu podia fazer que já não estivesse fazendo? 
Ela ligou para o André e para a Raquel. E claro que eles ficaram surpresos e contentes. Eu só consegui sentir um ciúme que nunca senti antes, porque dessa vez eu sabia que o coração da Yasmin não me pertencia. Eu a perderia de vez?
Eles combinaram de sair juntos no outro final de semana. Yasmin me convidou, mas achei que deveria deixá-los sozinhos. 
Lembrei do sonho que tive ainda no hospital, das suas palavras.
“Você acredita que exista um propósito pra todas as coisas, Derick?”
Pensei por um instante.
“Acho que é melhor pensar assim...”
“Queria entender o propósito de algumas delas.”
Porque agora eu me fazia a mesma pergunta. 
Tinha sido apenas esse o meu papel na vida da Yasmin? Tinha sido apenas esse o papel dela na minha vida? E que papel seria esse? Amor e felicidade por alguns meses e fim?
Mas ela estava tão radiante de felicidade mesmo agora. A infelicidade ficou apenas comigo, juntamente com todo o amor. Porque eu sentia que tinha passado a amá-la ainda mais. Que sentido havia nisso tudo? Que propósito? Talvez apenas não houvesse algum.
Culpar a vida, o universo, qualquer força maior não levava a nada. As coisas eram como eram.
Só que por mais que fosse doloroso encarar os fatos e ver o meu amor seguindo para caminhos distantes de mim, eu continuaria ali... com aquela esperança tão ridiculamente pequena, fazendo tudo o que pudesse para que ela fosse feliz. A única coisa que eu realmente desejava àquela altura era que eu ainda pudesse fazê-la feliz.




Nota: Capítulo 25, capítulo 26 e esse são acontecimentos anteriores ao capítulo 24. Caso fique dúvida.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

26- Guimarães Rosa uma vez escreveu...

“É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado.”
Todo final de semana eu corria para Primavera junto com a minha família e amigos. Tive que aprender a dividir a Yasmin com todos eles. Mas eu já era grato por ela não estranhar a minha presença e permitir que eu ficasse por perto.
Era sempre doloroso olhar em seus olhos e encarar a verdade repetidas vezes: o que vivemos juntos só pertencia a mim. Eu não consegui um tempo a sós com ela e nem sabia se deveria ser grato por isso ou não. Ela estava viva e parecia feliz como nunca, talvez eu devesse apenas ficar feliz da mesma forma por ela. 
Durante a semana eu recorria a Casa Secreta e fingia estar com a Yasmin ao meu lado. Revivia nossos momentos incansáveis vezes.
O ano já estava quase no fim... O aniversário da Yasmin chegou em novembro.
No seu aniversário os Fallen Angels se apresentaram no ClubMix. Seria a primeira vez em que a Yasmin os ouviria tocar depois do acidente. Não sei como eles conseguiram ensaiar aquela música nova em tão pouco tempo, mas conseguiram. 
Era a primeira vez desde muito tempo em que eu estava a sós com a Yasmin. Claro que uma multidão de pessoas nos cercavam no ClubMix, era quase um absurdo dizer “sozinhos”, mas os nossos amigos estavam uns no palco e outros longe de nossas vistas... Aquele tipo de sozinhos estava bom o suficiente.
Dessa vez nem mesmo a Talita com toda a sua voz incrível poderia me roubar aquele momento. Eu não conseguia desviar meus olhos da Yasmin. Ela parecia um pouco assustada com toda aquela gente circulando perto demais, mas no momento em que a Talita subiu no palco a sua expressão mudou. Fascinada, como todos que se acalmavam ao nosso redor. Ah, eu também estava fascinado, mas o meu motivo estava tão perto de mim que o seu perfume passeando por meus pulmões me trouxe uma dor no peito. E tudo o que eu poderia desejar na vida é que essa dor me perseguisse para sempre.
Talita puxou o microfone. “A primeira vez em que cantei para essa garota meus amigos aqui estavam ocupados demais com as mãos cheias de guloseimas, então como forma de compensá-la estamos todos juntos hoje para cantar para ela novamente pela primeira vez. Ela é mais do que merecedora já que é a inspiração dessa canção e de todas as outras que o meu irmão escreveu depois de conhecê-la. Yasmin, espero que curta. Feliz aniversário!”


Acreditar (Derick Campos)

O céu é testemunha, amor
De todos os beijos que trocamos
De cada vez que eu te disse o quanto te amo
Te amo
Deixe-me te mostrar
Como nossas mãos ficam bem juntas
Como nossos passos querem a mesma direção

Queria que você pudesse se lembrar
Falávamos sobre a eternidade
Porque nada poderia nos separar
Ainda espero acordar
Vendo o seu sorriso brincar com meus lábios
Sentir mais uma vez o seu coração fora de ritmo
Bem... bem pertinho do meu

E acreditar
E acreditar
Acreditar

Os seus olhos tanto me diziam
As palavras que eu amava escutar
E os meus sonhos mais lindos
Não conseguem se aproximar
Dos nossos dias
Juntos em qualquer lugar

Não existe adeus
Nem despedida
Quando tudo o que eu sei me ensina
A como me aproximar mais e mais de você
Você sabe só de olhar
Que eu poderia para sempre te esperar

E acreditar
E acreditar
Acreditar

Amor, só te peço um favor
Você poderia me deixar entrar?
Na sua vida
Nos seus sonhos
No seu amor

E acreditar
E acreditar


Yasmin levantou uma mão sobre seu rosto limpando uma lágrima que descia. Virou-se na minha direção. Encontrou meus olhos só para desviar deixando sua face corar. Ainda sem me encarar começou a falar. “Você escreveu mesmo pra mim?”
Eu queria dizer mais. Esperei tanto pra ter essa oportunidade, mas tudo o que consegui dizer foi “Escrevi...”
“Obrigada...” Ela olhou furtivamente para mim. “Nós nos amávamos mesmo, não é? Eu achei um diário meu esses dias. A data é desse ano. Fiquei feliz em poder descobrir mais sobre tudo o que me aconteceu recentemente, mas...”
“O que tinha de errado?”
Ela balançou a cabeça. “Nada de errado. Mas eu não esperava que eu só falasse de você.”






Nota: Capítulo 25, esse e o 27 são acontecimentos anteriores ao capítulo 24. Caso fique dúvida.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

25- Oscar Wilde uma vez escreveu...

“A verdade jamais é pura e raramente é simples.”
Dinheiro e poder fazem diferença na hora de resolver casos como o sequestro da Yasmin. Foi tudo resolvido na mesma semana. Yasmin ainda estava no hospital quando a notícia chegou.
A senhora que apareceu na pracinha no dia lamentável não era apenas uma velhinha dando um passeio, o que eu deixei de acreditar que fosse no momento em que ela tentou fugir com o envelope pardo na mão.
Uma família - dona de quase toda uma cidade, conhecida por todo o mundo- tão bem sucedida nos negócios não teria chegado tão longe sem deixar um mar de inimigos pelo caminho. O que os Campbell nunca imaginaram era que o dia de acerto de contas chegaria da forma como chegou.
A família Cunha que um dia tinha estado a poucos passos de se tornar tão grande como a Campbell apostou grande nesse sonho. Mas com a pressa, sem os recursos necessários para conseguir isso no tempo que achavam devido, se enrolaram em dívidas – uma atrás da outra. E de um dia para o outro viram toda uma vida trabalhada por gerações ir para as mãos dos Campbell. Eles imploraram por misericórdia, por mais tempo, ajuda... qualquer coisa, menos perder tudo. O mundo dos negócios não sobrevive de misericórdia, como eles já deveriam saber. 
A filha mais nova do casal tinha a saúde muito fraca e dependia de remédios caríssimos. Como consegui-los se ainda estavam lutando para ter o básico para sobreviver? Nesse momento os “amigos” faltaram... A menina ainda resistiu por mais tempo do que imaginaram.
A esposa teria enlouquecido se a depressão não a tivesse guiado até um pulo para os braços da morte logo após perder a filha.
Em tempos assim, às vezes, precisamos culpar alguém ou algo e não a nós mesmos... quem sabe o que a verdade não faria... O senhor Cunha preferiu esse caminho desesperado... o que nunca poderia terminar bem, mas isso ele já sabia. 
Com a mãe de sua falecida esposa e seus dois filhos, eles só precisavam de um plano para retribuírem aos Campbell por ter desencadeado toda a tragédia em suas vidas.
Eles nunca pensaram que realmente teriam todo o patrimônio dos Campbell, mas não era isso que queriam de verdade. E, talvez, se todos eles estivessem apenas seguido o plano teriam tido sucesso, mas o final fala por si.
A senhora deveria apenas ter passado o celular para que a Sandra falasse com o senhor Cunha que a assustaria um pouco mais. Depois a senhora apertaria o botão, de um dispositivo que carregava, e explodiria um trailer perto deles... Dizendo que a Yasmin estava dentro. Só terror. Mas quando a senhora viu a oportunidade de pegar o envelope e fugir não foi capaz de se conter. Dois policiais apareceram e já era tarde demais. Explodiu o trailer, mas não conseguiu se livrar da policia. 
Os sequestradores estavam perto de onde tudo acontecia e temeram. Não estavam esperando que a Sandra pudesse colocar a própria filha em tanto risco levando a polícia. Então largaram a Yasmin em qualquer lugar e fugiram. 
Serem achados pela polícia foi apenas questão de tempo.
Mas o que me deixou realmente sem palavras foi descobrir que o envelope pardo - que deveria ter documentos assinados pela Sandra para dar o que os sequestradores pediram em troca da Yasmin – estava com folhas em branco. Aquela troca já estava fadada ao fracasso desde o princípio. Sandra disse que não era necessário já que a polícia levaria os sequestradores. Mas ainda assim...
Lembro do médico dizendo que era um milagre eu estar vivo, mas milagre mesmo era a Yasmin estar.
Yasmin preferiu voltar para a sua casa em Primavera com sua mãe depois que saiu do hospital. Os médicos falaram que seria bom que ela fosse para lá, já que foi lá onde passou a sua infância e eram essas as memórias que tinha. 
Lá ela precisou ter aulas particulares em casa. E eu ainda preso em Almerim precisei de forças para não largar tudo e ir até a Yasmin. Todo o final de semana eu ia para Primavera e passava o tempo com a minha princesa.
Em uma dessas vezes tive a oportunidade de conversar com a Sandra. Ela parecia outra pessoa. Se a morte de seu marido e o sequestro de sua filha não foram capazes de tirar o pouco caso dos ombros da Sandra, ver as consequências disso tudo conseguiu. Ela ainda ficava perdida em como se comportar, como agir. Mas me deixava menos preocupado saber que ela estava se esforçando para cuidar da Yasmin com... amor.
Foi quando perguntei a Sandra. “O que você fez com a Yasmin para que ela te odiasse tanto?” Além do fato de você ter agido como se não tivesse um coração.
Ela me levou até o porão e me mostrou um quartinho medonho e pequeno. “O que é isso?”
“Yasmin sempre foi cheia de vontades. Era difícil fazê-la me obedecer apenas com ordens. Então eu fiz esse quartinho... Sempre que ela me desobedecia eu a trancava aí dentro. Ela ficava no escuro, com fome, com sede, sem o menor conforto... até que me implorasse para sair prometendo me obedecer. E assim ela foi crescendo até que nos primeiros anos da adolescência que é quando os pais mais reclamam de seus filhos eu não tinha nada para reclamar da Yasmin. Eu decidia tudo por ela e ela cumpria as minhas vontades sem reclamar.”
Eu observava o quartinho em que a Yasmin ficava, imaginando o tipo de terror que ela passou lá dentro. Que mãe faria isso?
“Tiveram vezes em que fui chamada à escola, porque a Yasmin tinha desmaiado. Fraqueza. Muito tempo sem comer apenas porque eu tinha dito a ela que ela precisava emagrecer. Ela me obedecia sem limites e eu achava que estava fazendo o melhor para o futuro dela fazendo as suas escolhas... No ensino médio tudo mudou. Ela me desobedecia, me enfrentava. Eu insistia e ameaçava, mas era inútil. Não tinha mais forças para trancá-la no quartinho e ela sabia disso. No meio do ano passado ela saiu de casa.”
“O pai dela não sabia o que você fazia? Ninguém via isso? Ninguém fazia nada?”
“Vítor sempre foi completamente apaixonado por mim, Derick. Acha que ele teria acreditado? Talvez ele suspeitasse em algum momento, mas tratou de afastar esses pensamentos.”
“Como você...”
“Eu sei, Derick. Eu... lamento tanto. Mas agora eu vejo tudo isso e tenho uma nova chance de não perder a minha filha novamente. Nunca mais vou fazer isso com ela... Não precisa se preocupara, Derick.”
“É claro que me preocupo, Sandra. Não faz sentido. Você precisa se tratar.”
“Tenho tido consultas regulares com o mesmo psiquiatra da Yasmin.”
“Se eu souber que você...” Ameacei.
“Se a Yasmin já não tivesse passado por tanto...” Lamentei.
“A única coisa que ela deveria ter esquecido era você, Sandra.”





Nota: Esse capítulo, o 26 e o 27 são acontecimentos anteriores ao capítulo 24. Caso fique dúvida.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

24- Victor Hugo uma vez escreveu...

“Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos.”
Estava na Casa Secreta, lendo pela milésima vez a carta que os policias me entregaram. Disseram que encontraram com a Yasmin onde os sequestradores a deixaram. A data era do dia em que teríamos nos encontrado, quando foi sequestrada.

Derick, estou tão arrependida... 
Queria ser boa com as palavras como você. Estou tentando há dias escrever o que sinto, mas as palavras parecem sempre erradas. Essa é a minha última tentativa. Agora o problema é te entregar. Não tenho coragem...
Derick, você é o meu sol. Tudo na minha vida gira ao seu redor. Você é a pessoa mais bondosa que já conheci na minha vida e nunca te disse o que penso sobre você. Eu estava caindo num caminho perigoso quando você apareceu na minha vida ano passado. Em todo canto só achava mentira, não sabia mais em quem confiar... Na verdade, preferia não confiar. Mas você, amor... Ah! Você é assim tão puro... Você vê o mundo com as cores mais lindas, onde todos têm bons corações e salvação. Um mundo que tenho me encantando cada dia que conheço mais através de você. 
O que mais temo na vida é te perder... E isso é tão patético, porque eu vejo nos seus olhos que nunca te perderei. Mas temo mesmo assim. Tenho tido esses sonhos em que acordo sozinha e a minha única tristeza é que estar sozinha é não ter você comigo, pouco me importa o resto do mundo. Temo um dia acordar assim... Sem saber mais o que são os seus beijos, os seus abraços e dizer adeus a tudo o que vivemos juntos. 
Meu pai é um amor de pessoa. O único erro que ele cometeu foi ter se apaixonado pela Sandra. Todos os dias ela cuidou de matar um pouco o meu pai – tirando seus sorrisos, sua alegria. O pior é que ela faz isso tão bem que ele sequer nota. Sei que ela é o mundo do meu pai. Mas também sei o quanto ele me ama e o quanto o amo. Como me arrependo de não ter passado mais tempo com ele. Sempre tinha alguma coisa. E sinto que agora é tão tarde. Meu orgulho me faz passar pouco tempo com ele, porque isso também quer dizer passar tempo com a Sandra. Ele me perdoa por isso, eu sei, mas será que eu vou algum dia conseguir me perdoar?
Eu odeio a Sandra com a minha alma. Tudo o que odeio na minha vida devo agradecer a ela. Tudo o que ela fez... Como eu poderia entender? Perdoar? Ela nem se arrepende. Não ama nada nem ninguém, só a porcaria da fortuna que meu pai fez. Mas parece que isso nunca é o suficiente... Ela destrói tudo o que se aproxima dela. Essa é a Sandra.
Quando soube que meu paizinho foi parar no hospital... E todo o tempo que ainda não passamos juntos? Não podia terminar assim... 
Uma dor tão grande invadia o meu peito toda vez que eu via você querendo que eu me aproximasse da Sandra, Derick. Como eu posso te explicar tudo o que ela me fez? Eu queria que você apenas entendesse isso sem que eu precisasse explicar... Você tem um coração tão bom que simplesmente não conseguia. Mesmo vendo dentro dos meus olhos o quanto a desprezo, isso não fazia sentido pra você. Eu sei. Eu te conheço, amor.
Meu pai estava morrendo, não importava o quanto dissessem que iria ter alta no dia seguinte. Ele estava tão acabado. Tão cansado... Não sei quanto tempo ainda lhe resta. E a Sandra agindo como se não se importasse. Aposto que as malditas lágrimas pelo telefone eram falsas. Ela não tem sentimentos. Cansei de tentar encontrar algum nela.
Entenda, eu sabia que você iria para a minha casa com a Sandra, mas odiei isso. O que ela tinha te dito? Te feito? O que você estava pensando depois? E você apareceu no dia seguinte com aquela cara de fascinado. Era ela. Ódio ou amor, ela não desperta sentimentos intermediários. Aquela sua cara de... Sei que é horrível, mas eu preferia ter visto você infeliz depois de ter estado com ela. Aquilo me doeu tanto. Você sabe o que ela é pra mim e ainda assim se deixou ser enganado. Eu não queria te ver naquela hora. Meu pai estava com os dias contados e eu queria me concentrar apenas nele.
Depois o André veio visitar o meu pai. Soube na hora que era armação da Sandra. O André é tão digno de pena. Combinei com ele que se ele me deixasse em paz com o meu pai por aqueles dias que eu o perdoaria. Na volta, ele quis uma prova e dei quando compartilhei com ele o mesmo táxi. A maior parte da viagem foi um silêncio até que ele começou a tentar conversar comigo. Então começamos a falar de quando éramos crianças, das bobeiras que fazíamos. Foi um tempo bom, Derick, quase tinha me esquecido. Fiquei surpresa em ter aquela certeza de que não sentia mais nada por ele. Nada mesmo. Amor se foi há tempos, mas a magoa e a raiva ainda estavam lá. Então descobri que não sentia mais nada disso. Foi tão maravilhoso. Eu conseguia rir com ele. Nunca pensei. 
Não esperava que você ou que os nossos amigos estivessem me esperando chegar. Afinal, não disse quando voltaria a ninguém. Mas eles estavam todos lá quando cheguei e fiquei grata por ter amigos bons assim. Mas não te vi. Disseram que você estava lá fora me esperando pra me fazer uma surpresa. Ninguém sabia o que tinha acontecido pra você sumir, exceto eu. Você me viu com ele. Primeiro me odiei por ter estado com o André, por ter te magoado. Depois senti um pouco de raiva. Desde quando você tinha se tornado superficial? Você me conhece melhor do que qualquer um e ainda assim realmente acreditou que eu poderia estar com o André porque o amasse ou algo assim? Mais uma vez culpei a Sandra e qualquer coisa que ela tenha te dito... Porque o meu amor nunca teria me julgado dessa forma por si só. Não poderia.
Quando fomos conversar no dia seguinte eu fui horrível. Arrependi-me depois por aquilo, mas já era tarde. Você não me procurou mais. E eu com tanto medo que você dissesse que queria terminar tudo, porque eu estava agindo feito uma louca. Qualquer coisa, menos te perder. Atendi agora o celular pensando que era a Sally, quando ouvi a sua voz. Entrei em desespero. Você iria terminar tudo, eu só pensava nisso. Tentei fugir, mas você continuou insistindo... Eu não podia permanecer sendo tão infantil. Se é mesmo isso que você quer, vou fazer o possível para receber o seu perdão. Até mesmo escrever tanto assim, contar tanto o que sinto. Sinto-me nua de uma forma ainda mais constrangedora do que a física. 
Talvez você tenha percebido que não sou tão maravilhosa como você costumava pensar. Talvez tenha se dado conta que nunca te farei tão feliz quanto você merece. Talvez tenha se cansado de tudo isso. E se você estiver 100% certo de que não quer mais nada comigo mesmo, não vou te perturbar com meus sentimentos. Mas se houver alguma dúvida que seja, deixe-me tentar mais uma vez. Farei o possível para ser a pessoa incrível que você vê em mim. E todos os dias da minha vida serão para te fazer feliz. Por favor, diga que ainda há uma esperança.
Derick, eu te amo. Soube que isso seria pra sempre quando te vi pela primeira vez na Casa Secreta... Quando você apareceu na minha vida. O meu milagre.


Parecia que uma vida tinha passado desde que saí do hospital. Mesmo assim continuava a sentir uma lágrima descendo pelo meu rosto toda vez que lia aquela carta.
Estava me despedindo de Almerim, da Casa Secreta, não daquelas memórias. Isso jamais.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

23- Elias Canetti uma vez escreveu...

“Tudo aquilo que esquecemos pede ajuda em sonhos.”
Assim que acordei vi uma das enfermeiras, que apareceram antes com o doutor, ajeitando o lençol que me cobria.
“Que bom que você acordou, Derick.”
“Você tem alguma notícia sobre a Yasmin Campbell?” foram as minhas primeiras palavras depois do sonho que tive. O gosto doce de seus lábios ainda parecia real na minha boca.
“Você já acorda agitado... Não tenho nenhuma novidade, Derick.”
“Ela está bem?”
“Vai ficar...”
“Ela está mesmo aqui? Neste hospital?”
“Ela está sim, Derick. No andar de cima, quarto 4. Temos médicos muito bons cuidando dela. Você não precisa ficar tão ansioso.”
“E a minha família; ainda estão aqui?”
“Não. O horário de visitas já foi encerrado. Mas a sua mãe ficou. Ela só te deixou um minuto para ir comer. Você também precisa se alimentar. Vou buscar alguma coisa pra você e já volto.”
Andar de cima, quarto 4. Ninguém por perto. Era tudo o que eu precisava saber.
Puxei a agulha do meu braço que me ligava ao soro. Precisei de mais tempo do que quis sentado tentando me equilibrar. O primeiro passo me avisou que eu não deveria ter me levantado. Pensei que a medicação fizesse toda a dor ir embora.
Foi mais fácil do que pensei chegar até o seu quarto. Não precisei me esconder de ninguém. Eram tantos fios e aparelhos. Seu rosto era a única parte de seu corpo que pude ver e estava inchado e muito machucado. Minha Yasmin... O que fizeram com ela?
Desviei o olhar e senti as lágrimas descendo.
Ouvi um gemido abafado. Voltei a olhar para ela. Seus olhos estavam abertos.
“Yasmin, meu amor...” toquei seu rosto, mas ela se encolheu.
“Desculpa... Você deve estar sentindo dores.”
Ouvi passos no corredor.
“Não posso ficar aqui por mais tempo, amor. Só precisava te ver. Como esperei por esse momento...”
“Quem é você?”
A porta se abriu.
“Derick, amor... Você ainda deve estar sonolenta.”
“Ei! O que você está fazendo aqui?!” não me virei para ver quem iria me tirar de perto do meu amor.
“Que lugar é esse?” Yasmin perguntava com dificuldade, confusa.
Mãos me alcançaram.
“Você está no hospital, meu amor. Vai ficar tudo bem.”
Cada vez mais distante da Yasmin. A mulher continuava dizendo alguma coisa. Qualquer coisa que eu nunca poderia ouvir já que a minha atenção estava toda concentrada na Yasmin.
Quando eu poderia abraçá-la novamente?
Eu tinha a leve consciência de que a mulher que me tirou do quarto continuou falando por todo o caminho e enquanto me colocava de volta na cama. Minha mãe também me disse alguma coisa. Lembro do homem alto parado do lado de fora do quarto. Mas tudo em que conseguia pensar voltava e voltava para a Yasmin. Eu queria poder dormir e acordar só quando pudesse estar com ela novamente. Qualquer coisa que fizesse as horas pularem mais rapidamente.
Nenhum sonho. Nenhuma lembrança. Ela foi o meu último pensamento antes de dormir e o primeiro a acordar, como sempre, mas dessa vez isso me trouxe uma felicidade diferente.
Minha mãe já estava acordada ao lado da minha cama. A expressão em seu rosto era profunda, aflita.
“Bom dia, filho.”
“Bom dia, mãe. Em quanto tempo vamos poder sair daqui?”
“Já estão prontos para te darem alta, só querem fazer mais uns exames para terem certeza de que não estão deixando nada para trás. Você dormiu bastante, fiquei preocupada, mas eles disseram que não tem nada de incomum por tudo o que você passou.”
“E a Yasmin?”
Ela tentou disfarçar o quanto a pergunta a deixou tensa.
“O que tem ela?”
“Ela também só precisa de mais exames? Acho que ela pode repousar lá em casa, né?”
“Filho...”
“Não acho que seria bom ela ir pra casa dela ainda, mãe. Tenho certeza de que ela prefere ir lá pra casa.”
“Não é isso, filho.”
“O que, então? A Sandra? Ela não vai se opor a isso...”
“Não sei como te dizer...”
“Alguma coisa aconteceu com a Sandra? Não a vi no quarto com a Yasmin.”
“Ela estava comigo naquela hora. Sandra está bem.” Não pareceu que estivesse mesmo bem, mas não era isso que preocupava a minha mãe.
“Então não entendo... O que foi, mãe?”
“É sobre a Yasmin.”
O que tinha a Yasmin? Não consegui fazer minha voz sair.
Minha mãe inalou ar profundamente. “Ela foi encontrada num beco perto do trailer que explodiu. Estava inconsciente e muito machucada... Quando você foi ver a Yasmin naquele dia...”
“Naquele dia? Não foi ontem?!”
“Você esteve dormindo por três dias, filho. Às vezes, você abria os olhos e dizia alguma coisa, mas logo voltava a dormir.”
“Não me lembro.”
Ela passou a mão pelo meu rosto. “E sobre a Yasmin...”
“Ela não conseguia sequer se lembrar de seu próprio nome, mas os médicos disseram que isso poderia acontecer já que...” ela deu uma pausa procurando uma palavra, “Ela veio muito ferida, filho. Mas isso é, na maioria das vezes, temporário. Não deveria passar de vinte e quatro horas. Só que não passou. Ela consegue se lembrar de sua infância, vagamente, mas é tudo.”
“Eles sabem quanto tempo vai levar até que ela se recorde de tudo novamente?”
“Filho... Ainda estão fazendo testes e exames para descobrir a extensão da amnésia. Mas nos exames já feitos e com o conhecimento que eles têm no assunto... não acham que ela consiga recuperar a memória.”
“Mas ainda não têm certeza. E também a Yasmin pode ser um caso especial... Ela não...”

quarta-feira, 1 de junho de 2011

22- Mário Quintana uma vez escreveu...

“Tão bom morrer de amor e continuar vivendo.”
Milagre... ele disse. Eu estava vivo, mas por que a Yasmin não veio me ver? Ela ainda estava com os sequestradores? Não... Porque se ela estivesse, então...
Senti um tremor involuntário.
“Eu sei que é muita coisa pra digerir agora, mas você não precisa se forçar. Descanse, é o que você precisa.”
“Por que você está evitando me falar da Yasmin?”
Sua testa enrugou.
“Ela...” Não tive coragem de concluir a minha pergunta.
“Não queria te falar sobre isso agora. A Yasmin veio há pouco para cá. Ela está mais ferida do que você está. Ainda estamos analisando seu estado completo. É muito cedo para dizer qualquer coisa. Tente dormir agora, por favor. Se precisar de alguma coisa é só apertar esse botão vermelho na sua cama, ok? Vou te deixar sozinho.”
Não apareceu mais ninguém na sala.
Yasmin estava viva e a salvo! Aquilo deveria ter me deixado tão feliz quanto imaginei que ficaria quando ela voltasse para mim, mas se estava tudo bem assim... por qual razão o doutor teria tentado não me falar sobre isso? Ele tinha acabado de me dizer que um homem morreu. O que poderia ser pior? Por que minha família também esconderia?
Queria não sentir minhas pálpebras tão insistentes em me fazer dormir. Queria respostas, mas talvez eu tivesse apenas que esperar... ainda mais.

Senti um toque na minha mão. 
“Derick? Acorda, Derick.” Meu corpo inteiro se arrepiou de prazer com aquela voz. Só ela podia fazer isso. Como senti falta de ouvir a voz da minha princesa.
Ela sorria na minha frente, puxando o lençol de cima de mim. “Vem, vamos logo. Não temos muito tempo.”
Ela estava deslumbrante com um vestido acima o joelho florido nas cores rosa e lilás. Ela segurou na minha mão, guiando-me até a porta.
“Podemos sair?”
“O que quisermos.”
Ela abriu a porta, mas não era um corredor branco de hospital que tinha do outro lado. Era a Casa Secreta coberta por estrelas. Atravessamos a porta, que sumiu no instante em que se fechou.
“Isso é morrer?”
Ela me disparou um sorriso. “Não, bebê. Isso é sonhar.”
Então eu estava sonhando...
Sentamos no chão empoeirado, cheio de folhas secas.
“Lembra de todas as vezes que estivemos aqui?” ela me perguntou encarando o céu.
“Cada uma.”
Yasmin inspirou ar, satisfeita.
“Sabe, eu nunca fui tão feliz. Deitada aqui, sobre esse céu sempre tão estrelado e com você ao meu lado. Você me disse tantas coisas bonitas...”
Puxei-a para mais perto de mim. “Senti tanto a sua falta...”
“Também senti a sua, amor.”
“Tenho sonhado bastante com você, sabia? Lembranças de nós dois juntos têm vindo o tempo todo.”
Seu suspiro soou triste dessa vez.
“O que foi, amor?”
“Você acredita que exista um propósito pra todas as coisas, Derick?”
Pensei por um instante.
“Acho que é melhor pensar assim...”
“Queria entender o propósito de algumas delas.”
“Quais?”
“Não importa mais ficar pensando nisso.” Ela disse afundando a sua cabeça no meu ombro.
“Você está bem, amor?”
“Só não queria perder tudo isso...”
“Perder o quê?”
“Você lembra quando estivemos aqui pela primeira vez?” ela mudou de assunto rindo.
“Sonhei com isso essa semana.”
“Eu tinha saído do baile que nem uma louca sem rumo. Aquele salto alto já estava me matando e mesmo assim eu não parei de andar. Parece que eu estava adivinhando que te encontraria aqui.”
Beijei o topo de sua cabeça. “Foi a melhor coisa que me aconteceu. Acho que os céus viram que eu estava mesmo precisando de você, minha princesa.”
“Vê... Você nunca se cansa de me dizer essas coisas lindas.”
“Quer que eu canse?” Brinquei.
“Faz tempo desde a última vez que estive com a sua família. Queria poder estar com eles novamente. Eles são sempre tão alegres... Contagia.”
“É... Eles são uns bagunceiros mesmo. Assim que voltarmos, podemos visitá-los. Tenho certeza que eles vão amar.”
“Ele já se foi, não é, Derick?”
Ela falava de seu pai, não precisei perguntar.
“Lamento, Min...”
“Queria que ele nunca tivesse que ir. É tão injusto.”
Abracei minha princesa com mais força.
“Será que tudo o que é bom tem um fim, Derick? Isso me assusta...”
“Você sabe que eu nunca vou deixar te amar, não sabe, Yasmin?”
“Eu penso em te perguntar isso, às vezes, mas sempre que encontro os seus olhos eles ficam me repetindo o que você acabou de me dizer.”
“E vai ser pra sempre assim.”
“Você esqueceria tudo isso? Todos os momentos que tivemos juntos? Todo o nosso amor?”
“Claro que não, meu amor. Eu não poderia nem quero.”
“Tudo bem se você não puder me amar pra sempre, Derick.”
“Não...”
“Escuta. Falo sério. O que nós tivemos foi puro e lindo, mas... Tudo bem se tudo isso um dia ficar nas suas memórias menos visitadas.”
“Não, Yasmin... Eu te amo.”
“Precisava ouvir isso mais uma vez... Também te amo, Derick. Só lamento ter que ir.”
“Ir? Pra onde você está indo?” 
Ela me beijou tão intensamente como sempre. 

segunda-feira, 30 de maio de 2011

21- Débora Büttcher uma vez escreveu...

“Viver, às vezes, me parece tão cansativo...”
Encarei a piscina novamente. 
Eu já mal pensava na Melanie e, de alguma forma, quando pensava era diferente. Eu não me importava mais por estar longe dela. E eu sabia bem o motivo. Fui relutante em aceitar, mas eu já sabia mesmo antes do dia em que a Yasmin me surpreendeu com um beijo pela primeira vez. 
Tinha acabado de dizer a ela que era melhor que sequer fossemos mais amigos. Os sentimentos da Yasmin por mim eram tão transparentes... Não podia ser maldoso com ela. Imaginei que ela fosse apenas me castigar com seus olhos tristes indo embora no silêncio. Mas, em vez disso, ela se aproximou mais e mais. O toque dos seus lábios...
Levei meus dedos até meus lábios com a lembrança. Iria dar mais um olhada na janela do quarto em que a Yasmin estava, mas antes disso me deparei com ela em pé a poucos passos de mim.
“Yasmin?!”
Ela parecia confusa. “Você me chamou...”
“Quando?”
“Agora há pouco. Você olhou pra janela e fez um sinal para que eu descesse...” ela corou.
O gato.
“Oh!” sorri pensando que talvez o gato preto tivesse anunciado boa sorte. “Tinha um gato no telhado, pelo menos pensei ter visto um, mas ele sumiu...”
“Ah... Desculpa.” Ela se virou, indo embora.
“Ei, Yasmin.”
“Me chamou?”
A sua expressão me roubou um sorriso fácil. “Sim, chamei. Se importa de ficar aqui comigo?”
Ela sentou-se ao me lado. Peguei a sua mão, tão macia... Não tive coragem de encará-la. Se ela fosse me dizer não... 
“Se eu estiver perdidamente apaixonado por você... Isso será um problema?”
Ela não me respondeu. Era isso. Busquei a sua resposta em seu rosto. Tão quieta.
“Acho que demorei demais...”
Ela continuou calada.
“Por favor, diga alguma coisa... Mesmo que seja pra me chamar de idiota...”
Abaixei a cabeça. Eu merecia.
“Derick...” ela me chamou. Voltei meu olhar para ela. Algumas mechas de cabelo escondendo seu sorriso. Arrumei para atrás de sua orelha. Desci as costas da minha mão o mais suavemente que pude pelo seu rosto. 
Ali estava a sua resposta, finalmente, reconheci.
Aproximei a minha boca da sua lentamente, tendo cuidado em gravar na minha memória os seus olhos derramando seus longos cílios sobre as maças de seu rosto rosadas. 


Senti minhas pálpebras pesadas ao abrir. Algo impediu que eu mexesse a minha mão esquerda. Forcei minha vista, tentando reconhecer o lugar onde estava.
“Oh, Derick!” era a voz da minha mãe.
“Mãe?”
“Oh, meu filho...” ela começou a chorar debruçada na minha mão esquerda.
“Não chora, mãe...” minha boca tinha um gosto estranho e falar causava um pouco de dor. Gemi.
Minha mãe levantou seus olhos para mim rapidamente. “É melhor você não se forçar, filho. Estou tão feliz. Preciso avisar a todos.” Ela se levantou e me deu um beijo na testa. “Não vou demorar. Estão todos preocupados com você.”
Foi só um piscar de olhos e vi o rosto do meu pai sorridente ao lado da minha mãe. Meus irmãos estavam do outro lado da cama, também sorrindo. Mas todos aqueles sorrisos mal escondiam o vermelho cansado ao redor de seus olhos.
“Vou deixar a Sally e o Jack te verem também. Depois voltamos, ok? Eles só deixam quatro de nós por vez.” Minha mãe falou, soltando a minha mão e deixando a sala com meu pai.
Talita e Ricardo estavam quietos demais; o que não combinava com eles.
Jack entrou na sala com os braços ao redor da Sally. Não soube dizer se ele a estava abraçando ou a segurando. Sally não sorriu. Lutava em não me deixar ver que chorava. Jack apenas desviou os olhos dela por um par de segundos, quando torceu os lábios numa forma de sorriso sem vontade na minha direção.
“Estou tão horrível assim?”
Eles trocaram olhares cúmplices.
“Se eu estiver alguma coisa perto de como me sinto...” sorri, tentando não deixá-los ainda mais tensos.
“Já deve estar passando o efeito da medicação. Mamãe já foi falar com o seu médico, ele vai cuidar disso assim que chegar.” Talita.
Eu sabia que tinha alguma coisa em que eu precisava fazer, mas não conseguia me concentrar o suficiente para lembrar. Escola?
“Vocês não deveriam estar no colégio?”
Olharam-me com uma surpresa.
“Descansa, Derick. Você não tem que pensar em nada agora.” Talita.
Eu estava no hospital... Óbvio, mas só então me dei conta do que isso queria dizer.
“O que estou fazendo aqui?”
Ricardo colocou as mãos no meu ombro. “Calma, brother.”
A pressão que ele fez foi leve, mas a dor me fez ver um flash. Eu girando dentro do carro. O carro girando. Tudo girava.
“Oh, meu Deus!”
Yasmin... “Cadê ela?” senti meu rosto molhando.
Um senhor alto e com o cabelo grisalho entrou na sala. Era o médico.
Todos eles saíram com a chegada do doutor e de duas enfermeiras.
“Cadê ela? Cadê a Yasmin?”
“Calma, meu jovem. Você sobreviveu a um acidente grave, precisa repousar.”
“Eu preciso saber onde ela está.”
Ele olhou para as enfermeiras, pedindo que nos deixassem. As duas jovens saíram. Puxou uma cadeira para mais perto de mim.
“Derick, o que você se lembra?”
“Alguma coisa estava errada na troca pela Yasmin. Uma senhora apareceu. Os policiais também. Algo explodiu. Depois tudo girou...”
“O motorista do seu carro morreu. O carro está em pedaços... Você tem muitas contusões, mas não tem um osso quebrado. Isso é um milagre, Derick.”

sexta-feira, 27 de maio de 2011

20- Mikhail Bakunin uma vez escreveu...

“Não há nada tão estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma.”
Todos aqueles rostos desconhecidos para mim, que se despediram do pai da Yasmin, já tinham saído.
Sandra estava sentada no sofá de uma salinha, com um lenço nas mãos.
“Sandra...”
Ela virou seus olhos estreitos como os da Yasmin na minha direção.
“Não te vi aí, Derick.”
“Vim agora.”
“Precisa de alguma coisa?”
Yasmin.
“A senhora me disse ontem que a Yasmin iria voltar...”
Sandra abaixou sua cabeça, olhando para o lenço em suas mãos.
“Ela vai. Estou esperando o carro que vai nos levar até ela.”
Arregalei meus olhos.
“Nós vamos até onde ela está? Com os bandidos e tudo?”
A jovem senhora inspirou profundamente.
“Você não precisa ir. Só imaginei que fosse querer e a Yasmin provavelmente vai preferir ver qualquer um menos a mim.”
“Eu vou.”
Não notei que a Olívia estava na sala até que ela nos interrompeu. “Desculpe, atrapalhar. Sra. Campbell, os policiais chegaram.”
“Policiais?” pensei que ela tivesse dito que eles não poderiam de forma alguma se envolver.
Olívia pediu licença e se retirou.
“Você vem ou não, Derick?” Sandra disse já saindo da salinha.
Fui atrás dela.
“Isso está errado. O que está acontecendo?”
Ela parou antes de passar pela porta da frente da casa, virou-se e segurou meus ombros.
Seus olhos, um castanho muito claro, encararam-me intensamente, sondando a minha alma.
“Derick, você é tão bobo assim?”
Franzi o cenho.
“Esses policias são a nossa garantia de ter a Yasmin de volta... E eu nunca deixaria esses sequestradores saírem impunes. Por que eles devolveriam a Yasmin depois que já tivessem o que querem?”
“Mas e...”
“Não se preocupe, Derick. Eu chamei os melhores. Eles serão discretos.”
Ela tinha razão, mas ainda assim eu deveria ter adivinhado que as coisas não seriam tão fáceis. O aperto no meu coração não era só a ausência da Yasmin.
Chegamos no local combinado, ainda dentro do carro.
“Derick, você fica aqui.” Sandra disse quando me viu ameaçando abrir a porta.
“Não. Eu vou também.”
“Quer deixar as coisas mais difíceis? Ele pediu que eu viesse sozinha.”
“Mas eles sabem de mim.”
“Sim, mas do mesmo jeito pediram que eu viesse sozinha. Isso deve querer dizer algo, não? Não temos por que arriscar. Em breve você estará com a Yasmin, então espere um pouco mais. Já vou.”
Sua expressão era de ansiedade e insegurança. Imagino como não estava a minha.
Ela andou vários passos até um banco na pracinha. Um envelope pardo tremia entre suas mãos em seu colo. Atrás do vidro fumê do carro eu pude ver quando uma senhora muito velhinha sentou-se ao lado da Sandra. Aquilo me deixou preocupado. E se os sequestradores achassem que ela foi com a Sandra? Ou se apenas ficassem impacientes esperando a senhora partir?
Tentei encontrar os policiais pela praça, mas em vão. Era óbvio que eu não conseguiria achá-los. Eu só queria ter certeza de que a Yasmin chegaria a salvo.
A Sandra e a senhora conversavam. Pouco tempo se passou até que a senhora passasse alguma coisa para a Sandra. Era um celular. Sandra parecia assustada falando no aparelho. O que estava acontecendo?
A senhora usava um vestido florido em tons claros e parecia frágil, por isso me assustei em dobro quando ela começou a puxar o envelope das mãos da Sandra. Ela tacou a bolsa na cara da Sandra e conseguiu pegar o envelope. Saiu apressada.
“Não!” gritei do carro.
Apareceram dois policiais de qualquer lugar que não vi.
Estava tudo errado. Cadê a Yasmin? Eles não só iriam aparecer depois que ela estivesse a salvo?
A senhora levantou a mão direita para o alto segurando alguma coisa. Era o celular? Não... Parecia um pouco maior. Os policias pararam. Sandra estava paralisada no banco. Eles investiram, tentando se aproximar, diziam alguma coisa. Queria conseguir ouvir. Aproximaram-se mais da senhora. E tão perto de onde eu estava algo explodiu. De repente eu também estava me aproximando de onde todos eles estavam e ainda muito longe deles a janela me mostrou o chão. Senti meu corpo rodar solto pelo carro. Fomos atingidos? Tinha alguma coisa me pressionando com muita força, eu queria me livrar daquilo, mas mal conseguia enxergar. Logo não via mais nada.
Abri os olhos e senti algo gelado tocar o meu braço e me puxar. Aquilo estava doendo muito. Meus olhos se fecharam novamente.
Naquele dia do baile do ano passado eu não tinha a menor intenção de ir para a festa. Estava num pedaço de casa mal acabada, distante de toda a civilização de Almerim. Falando sozinho. Discutindo comigo e com uma Melanie imaginária. Aquilo era ridículo, eu sabia, mas também era inevitável. 
“Oi...” alguém me chamou.
Assustei-me. Era uma jovem. Ela tinha ouvido meu debate louco? Mas ela sequer parecia assustada. Um vestido longo e claro. Seu cabelo preso, apenas uma franja caia sobre seus olhos. Ela estava indo para o baile? Perdeu-se? Foi o que ela me disse, quando perguntei.
Fomos caminhando juntos até a festa da escola. Ela era tão interessante e quieta. Tinha um olhar curioso, que escapava dos meus sempre rápido demais. 
Estava lembrando de todos os momentos que passei com a Yasmin até então, especialmente aquele dia do baile. Era véspera do aniversário da minha prima Sally, no ano passado. Estava na beirada da piscina, sem conseguir dormir. Olhei furtivamente para a janela do quarto da Sally. Eu sabia que a Yasmin estava no mesmo quarto. Tive esperanças de vê-la. Mas tudo o que vi foi um gato preto. Má sorte? Tentei espantar o gato para longe.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

19- Ovídio uma vez escreveu...

“Muitas vezes um remédio amargo trouxe ajuda a pessoas esgotadas.”
“Yasmin? Meu amor, vamos tirar você daí.”
“Que bom que estão trabalhando nisso, porque o tempo está passando e estou ficando impaciente. Cadê o que pedi? Não conseguiu convencer a sogrinha, Derick?” a sua gargalhada espalhava um frio por todo o meu corpo, “Talvez a Yasmin me agradeça por apenas dar fim na vida dela. Parece que não tem ninguém que realmente se preocupe com ela.”
“Seu pai acabou de morrer... A Sandra foi ao hospital. Antes de sair ela disse que agora vai poder te dar o que você quer.” Não sabia de onde consegui trazer a minha voz.
“Assim espero. Ela tem até o final do dia para isso. Em pouco tempo entrarei em contato novamente.” Desligou.
A sala parecia mais fria. Sentei-me na cadeira próxima ao telefone. Eu era inútil. Não tinha nada que eu realmente pudesse fazer pela Yasmin.
O que eles tinham feito com ela? Eu não podia perdê-la...
Uma mão me sacudiu, despertando-me do sono. Eu sequer tinha percebido que dormia.
“Derick, vá para a cama. Já pedi que preparassem um quarto para você.” Sandra.
“Não. Eu vou ficar aqui.” Disse ainda sonolento.
“Você quem sabe. Mas já está tudo resolvido.”
“Já vão devolvê-la?” Meu coração disparou.
“Não hoje. Fiz o possível, mas só amanhã todos os documentos estarão prontos. Logo após o enterro do Vítor, a troca será feita.”
“Não vai esperar a Yasmin voltar para isso?”
“Ela já passou pelo suficiente, não acha?”
“Mas ela iria querer estar lá... Ela nunca vai te perdoar se não esperar por ela.”
Ela sorriu, mas seus olhos eram uma imensidão de tristeza. “Então mais um item para a lista. Vai ser algo íntimo e rápido. Só estou esperando que eles entrem em contato para avisar.”
“A Yasmin vai passar a noite com eles?...” pensei alto e estremeci com a visão.
“Também não gosto disso, Derick.” Disse com pouco caso.
Era disso que a Yasmin tanto falava sobre a sua mãe? Essa frieza?
“Não parece...”
Ela apertou os lábios e franziu o cenho. “Porque você é estúpido demais como a Yasmin para ver!” berrou. Esboçou falar novamente, mais contida. “Tudo o que o meu marido que acabou de falecer lutou a vida toda para construir vou entregar nas mãos de bandidos para ter a Yasmin de volta. Tudo, Derick. Nem uma colher vai ficar. Não tenho a menor ideia de como vamos ficar depois disso, mas estou ocupada demais fazendo o que posso para que a Yasmin volte. Eu sei que ela me odeia. Ela pensa que eu a odeio, nunca quis que ela pensasse assim... Tudo o que eu fiz eu faria novamente. Não me arrependo de absolutamente nada... Exceto esses últimos anos em que a deixei fazer o que bem entendesse. Olha no que deu.”
“Mas ela não tem culpa disso. É algo que poderia acontecer de qualquer jeito.”
“Nunca saberemos, não é... Derick, vejo o quanto gosta da Yasmin. Mas me pergunto até que ponto... O quanto você faria por ela.”
“O que a senhora quer dizer com isso?”
Sandra pareceu que iria dizer algo, mas no instante segundo apenas balançou a cabeça. “Nada.”
Encarou o telefone na parede e acompanhei os seus olhos até o aparelho que parecia absurdamente caro, como todo o resto naquela casa. “Vai amanhã ao funeral?”
“Claro.”
Ela pressionou um botão sobre a enorme mesa do escritório. Uma senhora com um uniforme mais bonito do que o das outras empregadas apareceu logo em seguida. “Sim, madame. Em que posso ajudar?”
“Olívia, você já arrumou o quarto para o Derick como pedi?”
“Sim, madame. Já está pronto há algum tempo.”
“Ótimo. Separou roupas para ele?”
“Também, madame. Tudo conforme as suas ordens.”
“Então me faça mais um favor. Providencie uma roupa para ele ir ao funeral do Sr. Campbell amanhã.”
“Sim, madame. Deseja que eu prepare uma para a senhora também?”
“Não, Olívia, mas obrigada por lembrar. Já cuidei disso.”
“Estou aqui para isso, senhora.”
“Obrigada. Pode sair agora.”
Olívia sorriu curvando um pouco a cabeça e se retirou da sala.
“Derick, vá se deitar. Amanhã teremos um longo dia. É bom que esteja descansado.”
Eu pensei em insistir para ficar, mas meus olhos mal continuavam abertos. Eu não estava há tanto tempo assim sem dormir - muito pelo contrário - para sentir tanto sono.
“Se lembra onde fica? É o mesmo em que ficou da última vez.”
“Lembro.”
“Então tenha uma boa noite.”
Mas eu não tive. Em vez de apenas apagar e acordar no dia seguinte, tive um pesadelo. Um que me fez acordar soando frio e com o rosto molhado de lágrimas. Coloquei a mão sobre o meu coração que ainda estava acelerado. Acho que eu apenas deveria ser grato por não recordar o que me atormentou durante a noite... mas eu quase podia adivinhar. A voz chorosa da Yasmin do outro lado da linha ainda ecoava na minha mente.
Vítor parecia sereno deitado naquele caixão, mas isso não fazia os fatos melhores. Ele estava morto e Yasmin não pode sequer se despedir de seu pai.
Quando a Sandra foi dizer suas últimas palavras, esperei algo rápido. Poucas palavras. Algo assim “Foi um grande homem. Sentiremos sua falta. Adeus, Vítor Campbell.”. Mas pela primeira vez ela parecia desconfortável em sua própria pele. Piscado várias vezes e apertando seus lábios antes de começar a falar.
“Vítor sempre disse que eu era boa com as palavras e que podia encantar qualquer público.” Ela inspirou e olhou para cima, tentando evitar as lágrimas que se formavam. Só quando ela começou a desdobrar um papel que notei que ela era isso que ela estava segurando com tanta força. A folha estava um pouco amassada. “Se eu apenas falasse, sem ler, tenho certeza de que ficaria mais bonito. Assim como ele merece. Mas... Eu tenho certeza que não conseguiria. Espero que ele me perdoe por isso.”
Quando ela disse que seriam poucas pessoas, imaginei um grupo bem menor do que aquele. Mas todos pareciam sinceros com seus rostos saudosos. Eu era o único com a mente longe... lembrando do rosto aflito da pessoa que mais amou o homem que em breve estaria coberto por terra.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

18- Públio Siro uma vez escreveu...

“Ninguém pode fugir ao amor e à morte.”
Eu enjoava facilmente com velocidade, mas me esforcei ao máximo para não perder mais tempo que o necessário na estrada.
A Mansão Campbell parecia realmente assustadora - não tinha prestado atenção da última vez. O terreno era o maior de toda Primavera. Eu provavelmente odiaria passar em frente àquela casa depois do escurecer. Só em imaginar senti calafrios.
Apertei o interfone no portão. Notei a câmera se movendo na minha direção, era desagradável.
“Oi... Sou o Derick. Preciso falar com a Sra. Campbell. É urgente, por favor. Ela me conhece, sou o namorado de sua filha.”
O portão fez um estalo, dei um pulo para trás com o susto. Suas portas se afastaram.
Voltei ao carro e fiz a passagem até a frente da monstruosa porta da casa. Tinha um mordomo em pé, parecia me esperar. Saí do carro e fui em sua direção, desconfortável.
“Sr. Derick, deixe-me te acompanhar até a Sra. Campbell. Ela te aguarda no escritório de seu marido.”
Entrei na sala e o mordomo sumiu. Sandra estava ansiosa, mexendo em alguns papéis sobre a mesa.
“Derick, pensei que fosse horário escolar.” Ela disse, notavelmente, desaprovando a minha presença.
“Isso não importa. A Yasmin está em perigo. Entendo que não pudesse ocupar a linha telefônica, então vim.”
Ela ergueu as sobrancelhas. “Era melhor que tivesse entendido que vir também não seria de ajuda.”
Engoli em seco. “Só quero saber o que está acontecendo...”
Ela parou suas mãos sobre os papéis. “Yasmin foi seqüestrada. Eles querem TODO o nosso patrimônio em troca. A única pessoa que tem o poder pra fazer isso teve outra parada cardíaca essa manhã.” Sua voz tremeu, mas suas expressões não mudaram. “Estou tendo que resolver coisas o suficiente por minha própria conta para ainda me preocupar com o namoradinho da Yasmin matando aula.”
“Se preocupar comigo?”
“A escola não teria permitido e seus pais muito menos. O que faz de você um problema pra mim agora. Mais um para resolver e eu realmente não estou com humor.”
Tentei ignorar, concentrando-me na Yasmin. “E a polícia? Não vejo ninguém por aqui. Não vi nenhum em Almerin também. Eles já não deveriam estar em todo canto procurando por ela?”
Sandra me encarou. “Não seja estúpido! É claro que não comuniquei nada a eles. Acha mesmo que essa não foi uma das primeiras coisas que o seqüestrador me avisou que não fizesse?”
“Mas, então...”
“Exatamente, Derick. Mãos atadas. Não consigo nem achar algum maldito papel com uma assinatura do Vítor!” empurrou as coisas da mesa no chão e sentou-se de costas para mim na ponta da mesa.
Aproximei-me temeroso. Ela parecia chorar. Toda a sua pose bem longe dela agora. Toquei o seu ombro, hesitante. Pensei no que poderia dizer para acalmá-la. O telefone preso na parede tocou. Ela correu para atender.
“Oi. O quê? Prefiro que me diga agora, por telefone mesmo. Diga.” Suas mãos tremeram. “Entendi. Em pouco tempo estarei aí.” Desligou.
A mão que segurava o telefone repousou na parede ao lado do aparelho. Sua respiração muito intensa. Arfou. Inspirou e expirou, tentando se acalmar. Depois se virou na minha direção. “Vítor morreu.”
Yasmin não suportaria quando soubesse...
“Ah, não chore, por favor.” Ela disse secamente. “Preciso ir ao hospital resolver as coisas para o enterro. Você pode ficar aqui? No caso dos sequestradores ligarem. Diga o que aconteceu. Vou poder dar o que eles querem agora.”
Assenti com a cabeça ainda surpreso.
Ela saiu, deixando-me sozinho naquela sala. Peguei os papéis do chão, fiz uma pilha e deixei sobre a mesa. O telefone tocou. Um frio percorreu a minha espinha.
“Alô?”
“Derick?” reconhecia a voz da Sally.
“Não posso ocupar essa linha, prima.”
“Bem, mas eu preciso falar com você... Mas que merda! Cadê o seu celular?”
Tinha levado comigo, mas...
“Desligado...”
“Ótimo! Tentei falar com a Yasmin e também parece estar desligado. O que vocês dois estão fazendo aí em plena terça-feira?”
“Vou ligar meu celular e ligo pra você.” Desliguei.
Como eu iria explicar para Sally o que estava acontecendo? Ela iria surtar. Pensei que poderia explicar tudo já com a Yasmin comigo, bem.
Suspirei e liguei para a minha prima.
“Derick.” Seu tom já não era mais de irritada, ela estava aflita. “O que está acontecendo? Estou até com medo da resposta.”
“Prefiro explicar depois, Sally. Só fica calma, estou bem. Vou ficar aqui por um tempo. Avisa aos meus pais, por favor.”
“Eu aviso, Derick. Mas me explica agora. Não vou conseguir ficar calma assim.”
Saber só iria piorar...
“Derick!”
Lembrei de quando a Sandra disse não ter dito nada aos policiais. Se eu contasse a Sally...
“Eu estou bem, Sally. Não liga pra cá. Assim que eu puder te explico. Tchau.”
“Derick...” suplicou.
“Desculpa...” desliguei o celular.
O telefone tocou novamente. Sally iria insistir, eu deveria ter imaginado.
“Sally, por favor, não faz isso de novo.”
Já estava para desligar quando prestei atenção naquele som medonho na linha.
“Desculpa te decepcionar, mas não sou Sally... E você não é a Sandra. Pensei que tivesse sido claro com ela sobre manter essa linha apenas entre nós dois.” Eram eles.
“Sou o Derick...”
Ouvi barulhos.
Um choramingar. “Derick?” Yasmin. Sua voz era desespero puro.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

17- Saul Alinsky uma vez escreveu...

“Tática significa fazer o que você pode com o que você tem.”
Um cheiro forte fez doer minhas narinas. Percebi que estava com os olhos fechados. Ouvi vozes. Espremi meus olhos, na primeira tentativa de abrir, as luzes eram fortes.
“Funcionou!” uma voz familiar comemorou.
“Deixem-me vê-lo. Já falei para todos vocês saírem. Aqui é uma enfermaria, não um ponto de encontros, por céus!” uma voz feminina disse irritada.
Uma mão gelada tocou o meu rosto, “Consegue abrir os olhos?”, era a mesma voz profissional.
Tentei novamente, deixei que meus olhos se ajustassem à luminosidade.
“Ótimo.” A jovem morena, com olhos castanhos esverdeados, disse satisfeita.
“Ah, Derick, você acordou!” minha irmã contente logo atrás da jovem que me avaliava.
A jovem se virou. “Ainda estão aqui? Preciso chamar os seguranças? Será possível! Ele precisa de espaço. E vocês deveriam voltar para as suas salas de aula.”
“Estamos no intervalo.”
Intervalo? Aquela era a enfermaria. Não fazia ideia de como tinha ido parar ali.
A jovem encarou a minha irmã em silêncio.
“Ok! Que seja! Já entendi!”, Talita subiu um tom agudo. “Derick, assim que você sair nos procure.” Pediu antes de sair.
“Lembra o que aconteceu?”
Recapitulei os meus passos. Estava no pátio. Procurei a Yasmin...
“A Yasmin!” gritei em alerta, recordando o telefonema.
“Ei, acalme-se.”
“Eu preciso ir.”
“E eu preciso que você se acalme. Seus amigos te trouxeram aqui mais cedo. Eles te viram cair no chão. Você desmaiou. Já era pra ter acordado há bastante tempo. Tenho que ver se você está mesmo bem.”
“Eu estou. Olha... Sei que é o seu trabalho, mas eu realmente preciso ir. Prometo que depois volto para uma consulta.”
Ela bufou. “Seus amigos me deram trabalho suficiente hoje. Quer sair, saia. Não vou continuar insistindo. Só espero que realmente não seja nada sério.”
Não me desculpei, como teria feito em outra ocasião. Levantei apressado. Tateei meus bolsos, procurando meu celular, enquanto passava pela porta da enfermaria do colégio.
Lembrei-me da Talita preocupada comigo, pedindo que ligasse para ela, mas não o fiz. Ela precisaria me desculpar por isso, mas eu tinha algo mais urgente em mente: saber da Yasmin.
Disquei para o seu número. Ninguém atendia. Insisti, mas foi inútil.
Minhas mãos tremiam. Eu queria chorar e deixar aquele medo tomar conta de mim, mas não podia. A Yasmin...
Eu não tinha o número do telefone da casa da Yasmin ou o de sua mãe e pai. Gritei comigo mesmo por isso. Sally deveria ter, pensei. Liguei para ela.
“Sally?”
“Derick! Já saiu da enfermaria? Como você está? Onde você está?” disparou.
“Bem. Depois conversamos, Sally. Agora preciso da sua ajuda... Você tem o número do telefone da casa da Yasmin ou o dos seus pais?”
Agradeci que a minha prima não fizesse perguntas. “Tenho o da casa. Espera, vou procurar.” Um instante. “Pronto. Anota aí.”
“Obrigada, Sally” desliguei.
Não perdi tempo e liguei para a casa dos Campbell. Fui atendido no primeiro toque.
“Alô?” reconheci aquela voz, era a Sandra, mas notei a urgência em seu tom.
“Sandra? É o Derick.”
Ela suspirou desapontada. “Derick, agora não é uma boa hora.”
“Eu sei o que aconteceu com a Yasmin.”
Silêncio.
“Ele me disse que estava negociando com a senhora. Eles vão liberá-la?”
Silêncio.
“Sandra?” minha voz beirava o desespero.
“Derick, ainda estamos negociando. Eu preciso desligar agora. Eles estão entrando em contato comigo por esse número.”
“Como assim ainda estão negociando?”
Ela desligou. Liguei de novo.
“Sandra?” minha voz mais irritada.
“Derick, através desse telefone estou cuidando do que é preciso para ter a Yasmin de volta. Não atrapalhe.” Disse secamente e desligou.
Uma onda de raiva me atingiu. De forma alguma eu ficaria de braços cruzados. Não podia ajudar ocupando a linha, mas certamente eu ajudaria pessoalmente. Voltaria para Primavera. Ninguém me impediria.
Sabia que não adiantaria conversar com a Direção do colégio. Falar com os meus pais também não, eles não concordariam com isso. Então fiz do meu jeito. Peguei o carro da Yasmin e parti para a Primavera sem avisar a ninguém. Era estúpido, mas eu não queria correr o risco de ser impedido.
Ligando o motor do carro fui levado a uma lembrança.

“Por que você tem um carro por tanto tempo se ainda não pode dirigir?”
O olhar da Yasmin se encheu de ternura. Percebi que era uma lembrança especial antes mesmo que ela começasse a falar. “Estava com o meu pai quando vi esse carro. Ele ia comprar um novo automóvel e me levou com ele. Tinha uns treze anos quando me deparei pela primeira vez com um carro rosa na vida. Fiquei encantada. Não soube que meu pai tinha percebido a minha fascinação pelo carro até que na semana seguinte me levou até a garagem e me mostrou essa maravilha pink.” Seu sorriso se alargou. “Meu pai não é nada do tipo de fazer coisas ilícitas, mas... Bem, ele me que me ensinou a dirigir. Só quando teve certeza de que eu podia sair com o carro sem bater em nenhum poste é que ele me deu as chaves. Nunca fiquei tão feliz. Mas ele me disse para não dar mais do que umas voltinhas em Primavera...”
“Acho que você não deu muito crédito a esse conselho...”
Ela gargalhou. “Realmente não, mas me contive bastante. Se ele não tivesse dito isso, eu provavelmente teria saído feito louca pelas cidades a fora.”
Olhei duvidoso.
“Ah! Não acredita em mim?”
“Dificilmente conseguiria te imaginar assim.”
“Então isso é um desafio e eu não recuso um, Derick Campos. Entre nesse carro. Você nunca mais vai duvidar de mim. Já eu duvido você ter coragem de ir comigo nessa viagem.”

quarta-feira, 18 de maio de 2011

16- Bussy Rabutin uma vez escreveu...

“Quem não ama demais não ama o bastante.”
“Sim, Yasmin. Sou eu.”
Silêncio.
“Estou cansada, já vou dormir. Tchau.”
“Não! Não desliga, por favor.”
Ela esperou.
“Eu quero muito conversar com você. Pessoalmente, eu digo.”
Sally estava atenta à conversa. “Marca de se encontrarem agora.” Sussurrou.
“Agora seria melhor. Não quero deixar isso pra depois. Podemos?”
O silêncio foi mais longo.
“Yasmin?”
“Não comi, porque já ia dormir, mas se vou ficar acordar por mais tempo... No Narciso’s então. Estarei lá em dez minutos.” Desligou.
“E então?” Sally quis saber.
“Ela está indo pro Narciso’s. Já vou.”
“Tá. Vai logo! Depois você me agradece.”
Sorri e dei um beijo estalado na testa da minha prima. “Obrigado!”
“Tá, tá... Agora vai logo, vacilão.” Tentou esconder seu sorriso.
Narciso’s ficava a poucos passos de onde estávamos. Cerca de cinco minutos de onde Yasmin estava. Ela era pontual, mas já tinha passado meia hora sem que ela aparecesse. Talvez ela tivesse mudado de ideia. Lamentei não estar com o meu celular. Eu ficaria no Narciso’s até que não pudesse mais. E, de fato, fiquei.
Saí da lanchonete relutante. O toque de recolher do Colégio Elite já estava quase no limite da tolerância, precisava voltar.
Na manhã seguinte a primeira coisa que fui fazer foi procurar a Yasmin. Ela não poderia fugir. Esperava que a minha prima estivesse certa quanto ao seu conselho e que eu não estivesse só piorando as coisas com a Yasmin... Se bem que não falar com ela e mal vê-la já era ruim o suficiente.
Ela não estava com o pessoal no refeitório. Peguei o meu celular e disquei para ela. No terceiro toque fui atendido.
“Oi, Yasmin. Não desliga, por favor.”
“Pensei que ela fosse mais popular. Mas você é o primeiro que procura por ela.” Aquela voz parecia sair de um filme de terror. Senti os cabelos da minha nuca se arrepiarem.
Uma risada macabra. “Não precisa se apavorar, não ainda. Yasmin está bem... Viva. Derick... Você é o seu namorado. Então imagino que fará a coisa certa. Nesse exato momento tem alguém falado com a Sandra Campbell, tratando de negócios. Mas ela parece relutante para ter a sua filha de volta. Talvez você devesse intervir por sua namorada. O tempo está passando e não gosto de tempo ocioso. Mais horas se passam... Menos Yasmin fica bem. Eu realmente odiaria ter que mandar um dedo ou uma orelha para me fazer ser acreditado. Isso é nojento. Deixaria a jovem deficiente e muito traumatizada. Não há necessidade de nada disso. Colabore comigo, Derick. Acho que já deixei bem claro sobre as conseqüências que a minha impaciência pode trazer.” Desligou.
Lembro do frio insuportável que me envolveu. Escuridão. 

Muita claridade. Por um instante pensei que estivesse no meio do nada, onde branco fosse a única coisa existente.
Então, aquele par de olhos estreitos apareceu na minha frente. Seus cabelos espalhados ao redor do seu rosto. Um sorriso tímido, tão doce, brotou de seus lábios. Suas faces coradas fizeram o meu coração dar um salto. 
“Não fica me encarando assim...” Yasmin suplicou com a voz baixa.
“Você é tão linda...” disse fascinado.
Ela não conseguia me olhar nos olhos por mais de meio segundo. 
“Está com fome? Deve estar... Vou fazer um pedido pra gente.” Tentou sair debaixo de mim, mas a mantive firme no lugar. Disparou seus olhos nos meus, surpresa.
“Quero ficar aqui com você por mais um tempo.” Disse. Sua bochecha subiu mais um tom. 
Ficamos um tempo incontável assim. Toques sutis, apenas pontas de dedos deslizando pelo rosto. Eu queria ter certeza de que não era apenas um sonho. Queria guardar aquele momento para sempre. 
Se em algum dia algo ruim o suficiente acontecesse para nos separar, eu gostaria de me lembrar daquele dia, onde nos amamos completamente. Queria nunca ser capaz de esquecer daquele momento. Sua pele desnuda, a luz do dia a cobrindo pouco a pouco, sua respiração fora de ordem, o sorriso que não saía por nada de nossos lábios. Eu esticaria as horas o quanto fosse possível.
Juras de amor trocadas apenas com olhares. Silêncio. Eu duvidava que em algum dia eu fosse sentir desconforto com aquele silêncio. Era mágico. Eu estava tão perdidamente apaixonado.
Seu estômago fez um som. Ela espremeu seus olhos com vergonha.
“Tem alguma coisa na dispensa?”
“Tem...”
“Então não saia daí que vou preparar algo para nós dois.” Dei um beijo rápido em sua testa e me coloquei de pé tão logo. Procurei alguma peça de roupa para usar.
“Eu peço pelo telefone, não precisa ter trabalho.” Ela disse se inclinando na cama, buscando os lençóis para se envolver.
Deixei escapar um riso. “Não sou tão ruim assim na cozinha, amor. Prometo não colocar fogo em nada. Só espere aqui, não demoro.”
Ela repousou na cama novamente. Senti seus olhos me acompanhando.
Já estava terminando de colocar uma mistura nos pratos. 
“Ninguém nunca fez algo assim só por mim.” Ela disse, surpreendendo-me com sua presença.
“O quê?”
Ela se aproximou. Deixei os pratos sobre a bancada. Yasmin passou as mãos por meus cabelos, meu corpo estremeceu. “Derick,” parecia tensa. “Eu...”
“Yasmin, está tudo bem?”
Assentiu com a cabeça. “Eu te amo. Eu te amo, Derick.” Foi a primeira vez que ela me disse.
Estávamos em sua casa, após a nossa primeira noite juntos, era dezembro. Nos nossos planos para nossa primeira noite de amor teria acontecido na virada do ano novo. Já tínhamos tudo planejado. Mas na noite anterior as coisas fugiram do controle. Os beijos ficaram mais exigentes. As mãos mais curiosas. A cama sob nossos corpos. As roupas perdidas pelo quarto. E aqueles lindos olhos fugindo dos meus. Não tínhamos porque esperar mais. Ela me amava, eu a amava. E isso seria para sempre.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

15- Plauto uma vez escreveu...

“Nada é mais amigo do homem que o amigo na hora certa.”
Tentei falar com a Yasmin nos intervalos entre as aulas, mas foi inútil. Ela disse estar pegando as matérias perdidas e procurando ajuda de monitores. O que verdade, mas, ainda assim, soava como uma desculpa para não estar comigo.
Eu não conhecia aquele lado da Yasmin, tão ressentida. Dez meses de namoro, mas o tempo de convivência e nunca a vi agindo assim. Queria tanto que ela e sua mãe se entendessem que não me dei conta de que a minha pequena atitude em relação a isso poderia ser muito para a Yasmin. Eu não tinha o direito. Yasmin não me queria em sua companhia no hospital para que eu não ficasse com sua mãe e fui estúpido o suficiente para não perceber.
O que tinha acontecido entre as duas eu não fazia ideia e quanto mais pensava nisso mais intrigado ficava e mais tentava ignorar a minha curiosidade.
Yasmin precisava de tempo, eu esperava que fosse isso o suficiente para que me perdoasse. Era hora de respeitar a sua vontade, mesmo contra a minha. Foi o que fiz quando não a procurei pelo restante do dia. E no dia seguinte. E no seguinte a esse. Uma semana já não era tempo o bastante para que ela, pelo menos, voltasse a olhar para mim? Duas semanas e nada.
“Derick...” minha prima me chamou, pronunciando a sua presença.
Eu estava a caminho do dormitório.
“Oi, Sally.”
“Meu Deus, Derick! Você está péssimo! Você e a Yasmin estão me deixando muito preocupada. O que está acontecendo?” suplicou.
“Estraguei tudo. Acho que a Yasmin não vai mesmo me perdoar, mas ainda estou esperando por isso.”
“Vem comigo à pracinha, pra gente poder conversar mais à vontade.”
“Já estou indo deitar, Sally...”
“Para, Derick! Você vai comigo até a pracinha. Você se isolou de todo mundo. Acha que ninguém percebeu? Pelo amor de Deus! A sua sorte é que amo vocês dois demais pra ficar apenas assistindo. Não estou nem aí se estou sendo inconveniente. Vou ficar te enchendo a paciência até que converse comigo, você me conhece...”
“Vamos...”
Segunda-feira não era o ponto alto da semana na praça, então éramos apenas nós dois e as pouquíssimas pessoas que passavam pela rua.
“Eu perguntei a Yasmin, mas ela nunca vai me dizer a verdade. Conheço aquele tom de ‘está tudo bem’, quer dizer que está tudo errado. E você parece um fantasma pelo colégio. Se não tivéssemos clubes em comum, aposto que não te veria.”
Fiquei em silêncio. A dor de não estar com a Yasmin era tudo o que rondava a minha mente.
“Derick, eu sei que quando você não está bem você fica assim... No seu próprio mundo, sei lá.” Fez um gesto.
Pegou as minhas mãos, “Mas você sabe que não vou te julgar. Jamais faria isso. Quero te ajudar.”
“Você não pode.”
“Me diz o que aconteceu. Eu com certeza vou te ajudar, Derick. Eu podia estar fazendo qualquer outra coisa, mas estou aqui, não estou? Foi quando ela ficou aqueles dias em Primavera, não foi?”
“Foi... Eu queria que ela e a sua mãe se entendessem. O relacionamento das duas é tão triste... Insisti que ela retornasse a ligação de sua mãe e eu sabia que ela não queria. Depois ela quis ficar sozinha com o pai no hospital e eu fiquei na sua casa com a sua mãe, em vez de voltar pra cá. Não pensei que fosse algo TÃO ruim, mas ela começou a me evitar pelo celular. Quando voltou... O André desceu do taxi com ela. Ela já me explicou, mas na hora...” Era cansativo falar o que revivi tantas vezes mentalmente.
“André idiota! Também não gosto da Sandra. Ela é muito controladora como mãe e em todo o resto. Yasmin não gosta de falar sobre ela, é difícil saber o que aconteceu. Mas Yasmin é... Você sabe. É difícil atingir essa garota. Se o assunto Sandra é tão evitado assim, acredite, ela tem bons motivos para isso, Derick. Não insista com elas duas. E para o seu bem, fique longe dessa mulher. Não tente entender nem conhecer os motivos. A Yasmin te ama, quando ela se sentir bem, te contará.”
“Vou respeitar isso.” o remorso parecia não ter fim.
“Já se passou bastante tempo... Vocês se falam? Como estão?”
“Não quero cometer o mesmo erro de novo, Sally. Ela não quer falar comigo, vou respeitar.”
“O quê?! Ficou doido?” ela quase gritava.
Olhei assustado.
“Derick! Não me diga que você não tem tentado falar com ela por todo esse tempo, por favor...”
Abaixei meus olhos. Culpado.
Sally fechou os olhos e suspirou, “Se você não estivesse tão miserável eu te bateria. Derick, você está esperando que a Yasmin venha até você? Sério? Andou fumando ou o quê? Me explica a sua lógica, porque não vejo nenhuma.”
“Eu deveria ter insistido? Mas isso só não a deixaria ainda mais irritada?”
“Aí, meu coração frágil... Eu sei que ela é sua primeira namorada e tudo mais, mas tem coisas que simplesmente se sabe, Derick. Se coloca no lugar dela. Você não insiste, o que ela vai pensar? Um pouco de atitude é pedir muito? Cara! Não estou acreditando ainda.”
Ponderei.
“Chega de pensar, meu filho! É capaz de você arrumar mais algum motivo pra ficar sem fazer nada. Cristo! Pega essa porcaria de celular e liga pra ela. Liga até ela atender ou a bateria acabar. Se eu não te conhecesse e não soubesse o quanto ama a Yasmin, juro que pensaria que você quer mesmo que tudo acabe.”
“Eu não estou com o celular.” estava um pouco assustado.
Sally revirou os olhos, “Claro que não está. Tudo para facilitar. Mas eu estou com o meu o que quer dizer que é bom que você faça tudo certo agora, porque ela com certeza vai atender. E quando ouvir a sua voz em vez da minha vai me xingar um bocado mentalmente. Se você estragar isso, vamos ser nós dois na lista negra da Yasmin.”
Ela puxou seu celular do bolso, discou e me entregou.
“Oi, Sally! Não vou comer com vocês hoje, desculpa. Já estou no meu quarto.”
O frio no meu estômago só perdia para o meu coração tentando sair do meu peito. Eu não tinha ideia do que falar. Não conseguia pensar. Era tão bom ouvir a sua voz...
“Fala alguma coisa...” Sally sussurrou impaciente.
“Oi... Yasmin...” engasguei.
Silêncio.
“Derick?” sua voz quase inaudível.